Enseñar
como filólogo: la construcción de bases de formación para profesores de portugués
Teaching
as a philologist: the construction of training bases for Portuguese language
teachers
Célia Zeri
de Oliveira
Universidade
Federal do Pará, Brasil.
Recibido:
15/05/2020
Aceptado:
27/05/2021
DOI: https://doi.org/10.48162/rev.36.008
Resumo. Este
artigo insere-se no trabalho de pesquisa Intitulado
Observatório da Formação Docente-
construção de identidades dos professores em
que tem o objetivo de contribuir para a Rede Colaborativa de
Investigação-Formação-Serviço sobre
políticas públicas de formação e
desenvolvimento docente. Neste recorte, faz-se uma análise
reflexiva acerca da
formação de professores na área de Letras-
Língua Portuguesa para o exercício
da profissão docente junto ao público dos ensinos
fundamental e médio. O
intuito inicial das discussões e partilhas de vivências em
rede internacional é
de buscar experiências inovadoras nos processos de
formação de professores. Em
busca de aprofundamentos e de bases teóricas para a
sustentação do propostas
formativas, entendemos que a maior experiência de
inovação seria recuperar as
bases humanísticas para que, assim, retornássemos ao
conceito humano como
centro de todas as atividades educacionais. Tratamos, portanto, da
crise das
especialidades no mundo pós-moderno e verificamos os conceitos
basilares para a
construção da identidade dos profissionais da área
de linguagem por meio das
interpretações analíticas dos projetos
políticos pedagógicos de cursos de
Licenciatura em Letras.
Palavras-chave. Formação Docente, Ethos, Humanidades.
Resumen. Este
artículo es parte del trabajo de investigación titulado “Observatorio de la
formación del profesorado: construcción de las identidades de los docentes” el
que pretende contribuir a la red de colaboración de investigación, formación y
servicio sobre políticas públicas para la formación y el desarrollo del
profesorado. En este caso, se realiza un análisis sobre la formación de docentes
en el área de Lengua Portuguesa para el ejercicio de la profesión en los
niveles educativos primario y secundario. El objetivo inicial de las
discusiones y el intercambio en una red internacional es buscar experiencias
innovadoras en los procesos de formación docente. Como modo de fundamentación
de propuestas de capacitación, se propone recuperar las bases humanísticas y
recuperar el concepto de lo humano como el centro de todas las actividades
educativas. Por lo tanto, abordamos la crisis disciplinares en el mundo
postmoderno y consideramos los conceptos básicos para la construcción de la
identidad de los profesionales del lenguaje, a través de las interpretaciones
analíticas de los proyectos políticos pedagógicos de los cursos de formación de
profesores en Lengua y Literatura.
Palabras clave. Formación Docente, Ethos, Humanidades.
Abstract. This
article is part of the research work entitled Observatory of teacher training:
construction of teacher identities in which the aim is to contribute to the
collaborative network of research, training and service on public policies for
teacher training and development. In this section, we carry out a reflective
analysis on the training of teachers in the area of the Portuguese Language
for the exercise of the teaching profession to the public of elementary and
high school education. The initial objective of the discussions and the sharing
of experiences in an international network is to seek innovative experiences in
teacher training processes. In the search for more studies and theoretical
bases to support the training proposals we understand that the greatest
experience of innovation would be to recover the humanistic bases so that,
thus, we return to the human concept as the center of all educational
activities. Therefore, we address the crisis of specialties in the postmodern
world and verify the basic concepts for the construction of the identity of
language professionals through analytical interpretations of the pedagogical
political projects of teacher training courses in Language and Literature.
Keywords. Teacher
education, Ethos, Humanities.
A maior experiência formativa inovadora a qual
podemos proporcionar ao ocupar a posição de docentes no ensino superior é a de
recuperar a humanidade do ser humano. O que pode parecer um paradoxo, de fato,
tem desafiado os professores que lidam com vidas derrotados ao chegarem no
processo final de profissionalização em nível de licenciatura, em específico, a
formação de professores para o exercício docente nos ensinos de níveis
fundamental e médio.
Afinal, o que é ser professor no processo
de experiência inovadora para a formação de novos docentes para o exercício da
profissão no ensino básico brasileiro? Temos nos perguntado se o atual Estado
Brasileiro, que incentiva as políticas econômicas e de desenvolvimento sob o
escopo do neoliberalismo, tem afetado conceitualmente as noções do
ser-professor-inovador. Parece que no atual contexto se tem definido por
inovador aquele que apresenta a capacidade de agregar valores econômicos nas
atividades que exerce, dentre estas, as de ensino e aprendizagem.
Então, todo conhecimento, cuja função não
seja a de agregar valores monetários imediatos, recebe a conotação de
conhecimento inútil. Se tem dito que o povo brasileiro, ou seja, os
trabalhadores, não têm necessidades das artes ou das humanísticas, têm fome e
urgência de por alimento à mesa. Para isso, nada mais eficaz do que um curso
técnico-profissionalizante que ensine a ganhar o pão de cada dia de forma
rápida e eficaz. Tal conceituação serve também para a chamada elite econômica
como justificativa, para quem, nenhum indivíduo precisa saber mais do que
técnicas de manobrar as máquinas pesadas ou da execução de operações
repetitivas numa fábrica. Nesta justificativa, estará o ser humano a produzir a
riqueza de nossa nação.
As instituições de ensino, nesse
contexto, têm se adaptado criando programas e cursos de formação em que primam
pelo desenvolvimento das habilidades técnicas dos seus alunos, a exemplo, os
cursos de curta duração denominados tecnólogos, em que o indivíduo torna-se um
profissional apto para o mercado de trabalho no curto período de 3 anos
consecutivos. Tem ainda como mais valia a alta taxa de empregabilidade, já que
consegue atender ao mercado com o piso salarial menor do que o profissional com
curso superior completo de 4 ou 5 anos de formação. Não é preciso dizer que
estes cursos de formação não oferecem em seus currículos nenhum acréscimo de
conhecimento na área humanística.
Consequentemente,
não é necessário que façamos uma reflexão muito longa para percebermos que o
processo de formação docente, em nenhum tempo, teve bases muito sólidas e que
foi afetado pelas intempestivas mudanças socioeconômicas. Entretanto, há
marcado um lapso conceitual quanto aos debates para as questões educacionais,
pois é preciso dar relevância às questões pedagógicas de modo mais destacado,
para que assim possam servir de bússola e indicar os caminhos possíveis para
que crises econômicas, sociais e humanitárias não desmoronem o patrimônio
cultural construído ao longo dos séculos, dadas as necessidades de fazer-se
maior articulação entre teoria e práxis.
O sentido de
humanidades que trazemos para este texto, mesmo que tenha uma história
plurissecular e apresente usos contextuais diversos, concorda com V. Silva
(2010), conforme tem sido representado nas línguas europeias modernas como
substantivo plural “humanidades”, com o significado de línguas e literaturas
gregas e latinas. Segundo o professor citado, o vocábulo é herdeiro direto do
sintagma studia humanitatis, o qual desde a metade do século XV tem
designado um conjunto de disciplinas, de artes e de saberes, que compreende a
gramática, a retórica, a poesia, a história e a filosofia moral.
O studia
humanitatis, ou então, litterae humaniores (Silva, 2010, p. 54) são
os saberes e as disciplinas que exprimem, fortalecem e defendem a dignitas
hominis, pois o homem se distingue da feritas animal graças à razão,
sendo a palavra o instrumento essencial da razão. Também porque sem o estudo
das humanidades não é possível estudar e conhecer quaisquer outras disciplinas
ou ciências, ou ainda acessar aos bens culturais pertinentes aos seres humanos.
Somos todos antropológicos e culturais, nessas características destacam-se a
peculiaridade de podermos exaltar em nós o pertencimento à raça humana.
É importante
destacar que estamos tratando do conceito de humanidades diferenciando-o das
ciências humanas, sociais, ou da cultura. Ao tomarmos-lhe com esta conotação
trazemos para os significados, como heranças, a densidade memorial e histórica por
gozar do prestígio institucional nos meios acadêmicos de muitos países e,
também, porque mesmo que procure caracterizar-se pela racionalidade científica,
tem com isso a razão para não se subordinar apenas nominalmente a um modelo de
cientificidade.
A finalidade
das disciplinas que se incluem dentro das humanidades é por si, suprema. De
acordo com Silva:
As
humanidades e a cultura pós-moderna [...] são originalmente technai,
isto é, artes, conjuntos organizados e coerentes de saberes, de princípios e de
normas, que têm a finalidade dominantemente praxiológica, quer em domínios
disciplinares bem delimitados e caracterizados – a gramática, a retórica, a
poética -, quer num âmbito transdisciplinar de ordem antropológica e ética como
é a educação e a formação do homem. (2010, p. 11)
Por
estes caminhos, os das humanidades, encontramos o sentido acerca do papel que
deve ser exercido pelas universidades em nossas sociedades modernas. A
universidade só tem o sentido de existir em meio ao atual contexto
sócio-político-econômico “se não lhe for negada a liberdade incondicional de
questionar e afirmar, se puder fazer a profissão da verdade, se estabelecer um
compromisso com a verdade que devem servir o pensamento, o saber e a
investigação” (Silva, 2010, p. 11). Nesta concepção, as humanidades devem
ocupar o papel central no processo de ensino, por ter em seu bojo,
essencialmente como parte da matriz inicial, a proposta de ensinar homens e
mulheres livres, responsáveis ética e civicamente.
Não significa dizer que os saberes técnicos ou
específicos devem ser descartados dentro de um universo de competências
necessárias para o sustento e desenvolvimento de uma nação. O intuito é o de
pôr as humanidades como núcleo de construção do conhecimento, com os seus
instrumentos disciplinares de investigação e de reflexão. As humanidades devem
ocupar nas universidades, assim como nas escolas de ensino básico e na
sociedade como um todo, discursos que proponham a interlocuções com os outros
saberes, como busca de compreensão das complexidades humanas.
A
justificativa pelas humanidades ocuparem o lócus central dentro das
universidades deve começar por retirar dos programas os condicionantes
políticos, dando a ela o papel democratização da cultura, a começar por
desmitificar o conceito de que os jovens socialmente desfavorecidos não
precisam cultivar os hábitos culturais pertencentes à sociedade. Ou seja, o
papel é de descontruir os conceitos de cultura para uma e outra classe social,
permitindo assim o livre acesso e a escolha de cada indivíduo sob o próprio
livre arbítrio.
Além destas
proposições, H. Small descreve na obra The Value of The Humanities cinco
motivos para a valorização das humanidades.
1. Pelo estudo das práticas de criação
de significados dentro das culturas com foco para a interpretação e a avaliação
de um elemento indispensável, a subjetividade. Principalmente baseado na
percepção de seu caráter disciplinar diferenciado e, também, em seu
entendimento distinto do que constitui o conhecimento, diferindo-os das
ciências sociais e das outras ciências com ênfase menor nas subjetividades.
2. As humanidades são úteis para a
sociedade por ter a potência de pressionar a forma como os governantes compreendem
o seu uso, especialmente no que se refere à priorização da utilidade econômica
e os seus meios de mensuração. A utilidade prática desta arte é sua pertinência
como avaliação da base da educação, entretanto, tendendo a ser diminuída em
importância na medida em que de acede na escala do ensino superior, pois nesta
há formas de investigação cujo valor é mais intangível ou desconhecido.
3. As humanidades têm uma contribuição
a ser feita para a felicidade individual e coletiva. Pode ser uma linha de
defesa confiável para o entendimento acerca dos ganhos que se pode ter com os
bens públicos e os benefícios econômicos também por meio do encorajamento de se
pensar em emoção e paixão, por si mesmas, como bens. Sócrates já explorava
estes sentidos como argumento qualitativo e hedonístico para a humanidade,
testando o seu peso e valor como elementos para enfatizar a função crítica da
humanidade.
4. O componente, talvez, mais ambicioso
por clamarmos pelas humanidades são as necessidades preeminentes da própria
democracia. Este argumento não só necessita de trabalhar vivamente para
explicar o como e o porquê da adoção de conceitos democráticos por professores
da educação superior e por estudantes, sem a argumentação de que sem o auxílio
das humanidades não há maneira de sustentá-los. A alegação é de que as
preocupações com as práticas culturais de reflexão, argumentação, crítica,
testes e ideias especulativas só têm uma contribuição a dar, ou seja, o bom
funcionamento da democracia.
5. A motivação final pela afirmação a favor
das humanidades é a convicção consequencialista de que as humanidades têm
efeitos positivos no mundo por seu impacto em nossa vida cultural, nossa
felicidade, nossa política. Este consequencialismo é atraente para o indivíduo
que tem a tarefa de demonstrar o benefício público das ciências humanas, que
muitas vezes negligencia o valor intrínseco dos objetos estudados, pois este já
possui um certo receio ao ser tomado como critério por outras formas de
julgamento como valor estético.
Assim
justificado, as humanidades, tendo sido alternadas historicamente em correntes
favoráveis e contrárias às suas necessidades, neste atual contexto
histórico-social-econômico têm a missão de recuperar o foco da atenção para o
ser humano em sua essência. Auxilia também para a compreensão de integridade e
unidade com todos os outros cidadãos do universo em um movimento que atitudes e
decisões tomadas por um grupo social ou indivíduo terá repercussão em todo o
planeta, estas ações vão além da influência do clima ou no ecossistema.
Há muitas
causas que têm desfavorecido a desqualificação das humanidades as quais podemos
citar. Bernardes, J. (2018) relata algumas como exemplos: a dessacralização dos
saberes humanísticos que antes eram vinculados à ideia de estado-nação, as soluções
tecnológicas para o menosprezo para as investigações perseverantes centradas em
fontes primárias, a depreciação geral pela palavra ponderada e fundamentada, o
culto aos fatos e à estatística. Há ainda a preocupação com a reflexão “perdida
de los hábitos de reflexión autónoma, substituida, em buena parte, por el
pensaniento construído e impuesto por la información publicada, muchas veces
sin firma de autor e ni filtro de edición” (Bernardes, 2018, p. 200).
Mais do que
qualificar e advogar a favor do retorno das humanidades junto ao pensamento
autônomo e crítico, é necessário pensar em sua importância para o indivíduo e
para a sociedade como forma principal de compreensão das vias por onde ocorrem
a reflexão direcionada para o bem coletivo do ser humano e a revalorização de
todos os saberes constituídos como bens imateriais. Há ainda que se pensar na
retomada dos saberes humanísticos para que a formação em contextos educacionais
esteja centrada na verdadeira liberdade de pensamento.
Em nossa
atual sociedade tecnológica, os saberes coletivos passaram a ser incorporados
no dia-a-dia das pessoas como se fossem parte da cultura popular criada e
preservada pelos gêneros orais tradicionais e constantes nas comunidades, tais
quais os mitos, as lendas urbanas, os causos, os contos e outros. O que se
alteraram, portanto, foram a forma e o teor que esses saberes têm chegado ao
indivíduo, pois, por intermédio dos atuais meios de comunicação via internet,
praticamente todas as informações estão disponíveis e acessíveis para a maioria
dos cidadãos.
O advento da
acessibilidade aos meios de comunicação digitais, em seu intuito de popularizar
o conhecimento, acabou por transformar os cidadãos comuns em falsos peritos e
especialistas. Podemos ousar dizer que qualquer cidadão comum pode achar-se
profundo conhecedor em uma gama de áreas bastante diversas: saúde coletiva,
ecologia, biologia, arquitetura, engenharias, farmacologia, e por aí afora.
Adicionemos a estes os conhecimentos técnicos tais como em arrumações, fitness,
maquiagem, culinária, empreendedorismo, investimentos financeiros, logística,
informática, enologia, etc.
A
problemática que se tem levantado acerca deste fenômeno é a crescente
desvalorização da instrução formal e da experiência acumulada, como exemplo a
formação e a experiência docente, em favor do conhecimento raso e fundamentado
em notícias duvidosas, geralmente sem assinatura e por vezes falsas, fabricadas
para servir a interesses escusos. Em outras palavras, a desinformação toma o
lugar do conhecimento com uma agravante- a falsa ideia individual e coletiva de
que ao realizar leitura constante nas redes sociais se está informado e, além
disso, formado culturalmente. Chegamos, assim, aos tempos do “googlismo”[1], ou seja, em que a população em
geral começa a pensar que o mecanismo de buscas via internet, Google, é a
solução para todas as questões da vida diária.
O googlismo
passa, assim, a ser a base filosófica e epistemológica para a compreensão e
solução de todas as mazelas, sejam estas nos âmbitos individual ou social. Em
termos educacionais diríamos que o google passou a constituir, para os
desavisados, o “pai” de todas as ciências: o google resolveria os problemas em
todas as áreas científicas se fossemos dividi-las segundo a CAPES[2], isto é, em colégios e grandes
áreas: no colégio das ciências da vida- as áreas as agrárias, biológicas e da
saúde; no colégio das humanidades – as ciências humanas, sociais aplicadas, a
linguística com letras e artes; no colégio das ciências exatas e tecnológicas-
as ciências exatas da terra e engenharias.
O google
está para os humanos, hoje, como um grande oráculo que responde todas as suas
buscas - ao mesmo tempo está presente em todos os lugares, no telefone celular,
nos computares e tablets, nas TVs interativas. Atende aos nossos pedidos por
comando de voz, é potencialmente imortal, e, principalmente, substituiu a nossa
memória histórica, matemática, linguística, chegando a acumular o conhecimento
construído ao longo dos séculos em todos os sentidos. O mal maior disso é o
ajuntamento que faz de fatos e ideias pouco aprofundadas e a disseminação
instantânea de informações incorretas e raciocínios elementares por toda a
população.
Em termos de
pesquisa acerca das informações acessadas virtualmente, L. Santaella (2018, p.
49) denomina esta como a era da pós-verdade. Segundo a professora, a
“pós-verdade” deve ser entendida em dois sentidos diferentes: de um lado o
significado “depois que a verdade tenha se tornado conhecida”, e de outro, o
fato de que a verdade se tornou irrelevante. Desse modo, o prefixo “pós” não
significa apenas “depois de um evento ou situação específica”, implica,
portanto, um tempo em que um conceito se tornou irrelevante ou sem importância.
Dessa forma
podemos dizer que o novo sentido do prefixo “pós” acaba por definir a nossa
época- em que não importa mais a verdade original, e sim o que é criado e
popularizado como fato verdadeiro. As notícias falsas e a descrença nas
ciências transformaram-se numa indústria de alta produtividade, tornando-se um
campo aberto para a germinação de conceitos maléficos para toda a sociedade. Há
ainda o agravo da rapidez e do grande alcance dessas des-informações por todos
os cantos do planeta. A forma descentralizada e, também, descontrolada na qual
a internet distribui seus conteúdos de modo alternativo e independente,
transformou a potencialidade positiva do acesso e da popularização do
conhecimento em jogos de interesses escusos para uma sociedade popularizada e
pouco capaz de fazer o julgamento crítico daquilo que têm por fatos.
Estando à
mercê das intempéries contextuais da sociedade, as ciências não são isentas de
desequilíbrios da mesma natureza. De acordo com Santaella (2018), anteriormente
à data atual, a ciência era concebida como reunião de fatos, teorias e métodos
em que o próprio desenvolvimento ocorria de forma gradativa, por meio de
contribuições isoladas que se iam adicionando cumulativamente, juntando-se aos
conhecimentos e técnicas já existentes. Agindo dessa maneira havia a
preocupação com os avanços do desenvolvimento científico, e principalmente com
a autoria e a cronologia das descobertas.
Entretanto,
justamente por oposição à visão linear e progressiva da ciência surgiu a tese
kuhniana, de Thomas Kuhn (1962) que contrapôs os conceitos existentes propondo
que os avanços científicos ocorrem por saltos, isto é, com avanços não
cumulativos. A partir de então as realizações científicas universais entraram
em crise, sendo substituídas parcial ou totalmente por outras, trazendo para a
discussão conceitos que antes eram mantidos como inquestionáveis. Então, os
paradigmas reconhecidos pelas ciências como realizações científicas,
universalmente tidas como verdadeiras, são postos em dúvida pelos questionamentos
que surgiram em favor da validade desses modelos, fazendo-se substituir os
conceitos vigentes pela denominada matriz disciplinar.
O efeito
desses questionamentos atingiu dimensões para além das questões
epistemológicas, fazendo surgir a interpenetração da ciência nas questões
históricas, sociológicas e psicológicas da sociedade. As discussões acerca do
relativismo atingiram os debates sobre a pós-modernidade a partir da década de
1970, desenvolvendo-se uma corrente de pensamento chamada de Ciência,
Tecnologia e Sociedade. Estas discussões aproveitam-se das teorias de Kuhn,
entretanto sem fidelizarem-se completamente a ele. Um exemplo disso é a
interpretação do fenômeno da globalização e da própria humanidade à luz das
relações entre o processo tecnocientífico e os interesses desenvolvidos por
estes, como exemplo, a sustentação para a valoração social das ciências e o
poder em si representado.
Estes dois
fatos, o acesso desenfreado às informações nem sempre fidedignas e os
questionamentos quanto à validade das ciências tendenciaram para a criação dos
novos peritos, especialistas e intelectuais de nossa sociedade. Isso significar
dizer que todos acham-se verdadeiramente informados e sabedores das grandes
verdades das ciências, das sociedades, das comunicações. Podemos dizer que a
luta entre as elites instruídas e a população conhecedora da sabedoria popular
sempre existiu e foi, até certo ponto, normal dentro das complexidades da vida
moderna. Entretanto, há que se pensar em propostas que deem acesso real para
que mitos possam cair por terra e que a os indivíduos tenham em seu espírito
crítico algum fundamento para julgar verdades e inverdades do mundo
pós-moderno.
Talvez
possamos apontar um caminho - a popularização da ciência e o uso dos meios de comunicação
em massa para como via de acesso ao conhecimento construído para ser posto à
serviço do bem comum, isto é, para o desenvolvimento e o bem-estar da
humanidade e seu uso efetivo pelos professores nos contextos educacionais. Para
isso é preciso fundamentar-se em bases de espírito coletivo e de exercício
constante da humildade por parte dos cientistas, professores, pesquisadores, ou
seja, aqueles que praticaram ao longo dos séculos uma espécie de arrogância
intelectual por acharem mais sabedores do que os indivíduos em geral, revendo,
assim, as finalidades da ciência e da educação, pensando principalmente se
fazem pesquisa para avançar em melhorias para a população ou se, somente, para
ser lida e apreciada pelos próprios pares.
Há
pertinência em pensar na constituição social que a atual sociedade pós-moderna
tem do professor. A tratá-lo por uma conotação que classifica o ethos docente
encontramos, pelo viés discursivo, a figura do professor dotada de propriedades
físicas (corporalidade) e psicológicas (caráter) sustentadas por um conjunto de
representações sociais e de estereótipos que o próprio sistema enunciativo
contribui para reforçar ou rechaçar. Segundo Maingueneau, D. (2016) as ideias
veiculadas socialmente criam a adesão do interlocutor por meio de uma maneira
de dizer que também é uma maneira própria de ser.
A concepção
de ethos docente, nesta abordagem é demonstrada por meio do conceito de
incorporação, desempenhando três funções:
1. A enunciação confere uma
corporalidade ao fiador, ela lhe dá corpo;
2. O destinatário incorpora,
assimila através da enunciação um conjunto de esquemas que correspondem a uma
maneira específica de se relacionar com o mundo;
3. Essas duas primeiras incorporações
permitem a constituição de um corpo[3], da comunidade imaginária dos que
aderem ao mesmo discurso (Maingueneau, 2018, p. 14).
Assim,
socialmente criamos o ethos de profissional docente, reforçando-o por meio da
construção historicamente marcada e discursivamente mantida por meio de três
dimensões- a dimensão categórica cujos papéis discursivos estão presentes; a
dimensão experiencial que abrange as caracterizações sociopsicológicas
associadas às noções de incorporação, e a dimensão ideológica, que se refere
aos posicionamentos assumidos dentro de campos ou domínios específicos de
pertencimentos aos grupos identitários. Ambas interagem em si e caracterizam
marcadamente o ethos que se tem construído.
Além da
construção social do ethos profissional, há os
dispositivos da autoformação, ou
seja, o conjunto de práticas mediante as quais o
indivíduo dirige seu próprio
processo formativo e se autonomiza em graus variados, especificamente
em
relação à instrução recebida das
instituições formadoras. Essa autonomia pode
ser concretizada na escolha de objetivos, de conteúdos, de
orientação, dos
recursos e métodos para o gerenciamento do tempo de dos
espaços de
aprendizagem. De acordo com Yurén (2005) um dispositivo é
heteroformativo em razão
inversa das possibilidades que oferece ao aprendente de escolher e
tomar
decisões em relação à própria
formação. Entretanto, há tendência em gerar
dispositivos com uma carga heteroformativa, tendo como efeito os
bloqueios para
a criação de um ethos deficiente.
O princípio
de autoformação permite também que o sujeito possa construir sua própria
trajetória de modo mais consciente e deliberado, permitindo, com isso,
construir uma identidade para si mesmo, o que resultará na construção de um
ethos autônomo e autorregulado. Seria, de certo modo, uma interrelação com as
diretrizes gerais de formação da sociedade e das instituições formadoras com a
própria autoformação, cuja trajetória requer disciplina, esforço e
perseverança, ambos atributos provenientes de uma personalidade autônoma e
autorregulada, o que, por isso, são dispositivos para as competências de
autoformação.
Ainda no
âmbito social, dentre as caracterizações do profissional docente está a
dimensão de profissionalismo, isto é, as qualidades da prática profissional dos
professores em função do que requer o trabalho educativo. J. Contreras (2002)
afirma que há dois polos que se conjugam num mesmo ao se tratar da
profissionalidade docente, o trabalho de ensinar e a expressão de valores e
pretensões como desejo de desenvolvimento dentro da profissão, devendo-se tomar
em conta a ideia do docente como profissional sem limitar-se ao/s valores que
associam-se à retórica da profissionalização.
Das
necessidades de valoração das especialidades comuns às profissões, destacando,
neste caso, a profissão de professor, devemos defender os valores, as
qualidades e as características profissionais que expressam os sentidos
humanísticos das práticas de ensino. Esses atributos devem situar o docente em
condições que lhe permitam realizar um bom ensino, ou seja, dimensões do seu
fazer profissional em que se definem as formas de conceber e realizar os
trabalhos do professor, ao mesmo tempo partilhados por quem concebe a
realização concreta do ensino.
A tarefa de
educar não é algo simples, ao contrário, é extremamente complexa porque
trata-se de uma função historicamente vinculada aos seres humanos, e, por si,
este vínculo intrínseco reflete os desafios peculiares a cada contexto político
e social. A educação, ao mesmo tempo que trata da sociedade, reproduz ela
própria, além de projetar o ideal de nação para o futuro. Enquanto prática
histórica vincula-se ao processo de civilização e evolução das relações sociais
o do bem coletivo cujo alvo é constante. Tende ainda a superar os desafios
inerentes, os da atual sociedade pós-moderna são os de levar o conhecimento à
maioria da população e o de manter os meios de subsistência necessários à
preservação da espécie.
É necessário
distinguir conhecimento de informação, especialmente em tempos atuais em que o
bombardeio de informações é constante por meio das tecnologias de comunicação
em tempo real, devendo-se ainda excetuar aquelas que não são verdadeiras.
Apesar de uma pequena tendência em se pensar que a escola é uma instituição de
transmissão de informações, e, assim, sob a ótica neoliberal de economia de
capital com iminência de desaparecer por não apresentar a mesma eficiência dos
meios de comunicação, não é o que o que se tem sucedido. A instituições
oficiais de ensino e, dentro delas, os professores, não podem ser desprezadas
para a efetivação do conhecimento justamente pelo fato de que informação, mesmo
sendo um dos pré-requisitos para a geração do conhecimento, não é em si o
próprio.
Conhecer é muito mais do que munir-se de informações.
É necessário “trabalhar” essas bases, organizá-las, identificar as fontes,
analisá-las, contextualizá-las, relacioná-las com a sociedade, situá-las
historicamente. Este trabalho só pode ser realizado de modo eficaz por aqueles
que têm conhecimento sobre todo o processo, cabendo então a atuação das
instituições de ensino na figura sóbria e rija do professor. O professor é o
profissional preparado científica, técnica, pedagógica, cultural e humanamente
por meio de sua sólida formação especializada.
É preciso
dar fim à crise de confiança na educação profissional e retomá-la como solução
para a formação de cidadãos críticos em todas as dimensões da vida em
sociedade: o exercício da alteridade, o civismo, o apreço por bens culturais, a
consciência de integração com o meio ambiente, a compreensão das diversidades e
diferenças étnicas no que se refere à raça humana, o conhecimento da história
dos povos e das civilizações, o acesso à literatura como arte e materialização
da poiésis. Para que este feito ocorra factualmente é necessário
retomar-se a confiança no conhecimento profissional, especialmente na
competência docente.
Por mais que
concebamos a continuidade de formação profissional como um processo necessário
e constante na para o exercício da docência é no período inicial de formação,
ou seja, de licenciatura que deve ocorrer a aquisição de todas as competências
por parte dos professores, sejam elas a obrigação moral ou o compromisso com a
comunidade, o conhecimento em si, a cultura profissional, o tato pedagógico e o
trabalho em equipe. Além disso, mesmo antes de ingressar em um curso de
formação docente os estudantes possuem muitas expectativas em relação à
profissionalização.
Alfonso Gil,
S. et al (2013) afirmam que as expectativas representam aquilo que os
estudantes esperam realizar e concretizar durante a vida acadêmica, dentro dos
componentes escolares e da integração social, associam-se às experiências dos
acontecimentos vividos, aproximam-se a outros que viverão e constituem uma
interpretação de cunho cognitivo e motivacional acerca do que ocorrerá ao
terminarem os estudos, ou seja, projetam o sujeito que desejam constituir-se.
Ao olharmos demoradamente para os Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de
licenciatura temos de visualizar como perfil do futuro profissional da área de
Letras todos esses requisitos para atuar como professor nos níveis de ensino
fundamental e médio.
Neste texto,
em específico, fazemos a leitura e buscamos compreender a construção do futuro
licenciado em Letras no seu aspecto humanístico, isto é, investigamos por meio
de uma pesquisa de cunho exploratória as projeções definidas pelo viés deste
gênero discursivo: O Projeto Político Pedagógico das Faculdades de Letras-
Língua Portuguesa na Universidade Federal do Pará - que por ser uma
universidade com finalidades de levar a educação ao alcance das necessidades de
cada região, criou a universidade multicampi e atende aos mais diversos e
longínquos municípios do estado do Pará, como exemplos, Abaetetuba, Belém,
Breves, Bragança, Cametá.
Os critérios
de seleção para os referidos projetos é o da atualidade, isto é, de estar em
uso pelas faculdades. Temos assim, seis documentos os quais interpretamos,
organizados abaixo de acordo com a letra inicial do polo pertencente:
Abaetetuba, Belém, Belém-EAD, Bragança, Breves e Cametá. O objetivo não é o de
fazer a comparação dos Projetos Político-pedagógicos entre os campi, terá que
sê-lo de compreender, portanto, o processo de construção dos conhecimentos
humanísticos pelos futuros professores por meio da formação profissional
docente em nível de licenciatura. As observações foram realizadas de acordo com
as categorizações descritas:
Quadro 1: Perfil profissional do professor
Perfil profissional do
professor de acordo com cada Curso de Licenciatura em Letras na UFPA |
|
Curso A |
Um profissional
cultural e linguageiramente competente, tendo domínio do uso da língua
portuguesa, com visão crítica e conhecimento teórico-prático aprofundado
sobre sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais. |
Curso B |
Profissionais interculturalmente
competentes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens,
especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito. O profissional em
Letras deve ter domínio do uso da língua, objeto de seus estudos, em termos
de sua estrutura, funcionamento e manifestações culturais. |
Curso B- EAD |
Deve dominar um
repertório de informações envolvendo conhecimentos teóricos e práticos que
lhe permitam [...] ser um profissional comprometido com os valores
inspiradores da sociedade e o cultivo de valores humanistas; [...]
desenvolver uma prática educativa que leve em conta as características dos
alunos e de seu meio social, sua relação com o mundo contemporâneo |
Curso Br |
Deve ter conhecimentos
teórico-práticos sólidos sobre a língua portuguesa, quanto a sua estrutura,
seu funcionamento, sua variação sociocultural e suas literaturas, os quais o
habilitem a exercer sua práxis de forma interdisciplinar, a refletir
criticamente sobre temas e questões relativos ao seu exercício profissional,
considerando sua relação com a realidade, nos aspectos históricos, sociais e
culturais |
Curso Be |
Deverá estar apto para
ser um profissional comprometido com os valores inspiradores da sociedade
democrática, na ética e no compromisso de transformação social e educacional
dos educandos. |
Curso Ca |
Deve ser um profissional cultural
e linguageiramente competente, com visão crítica e conhecimento
teórico-prático aprofundado na língua de sua habilitação, comprometido com os
valores inspiradores da sociedade democrática, capaz de gerenciar o próprio
desenvolvimento profissional tanto por meio de formação contínua, quanto pela
utilização de diferentes fontes e veículos de informação. |
Quadro II - Competências a serem
desenvolvidas:
Competências a serem
desenvolvidas pelos profissionais nos Cursos de Licenciatura em Letras pela
UFPA |
|
Curso A |
Desenvolvimento de
competências relacionadas a uma prática pautada em princípios éticos e para a
construção de saberes relacionados não só ao conhecimento específico sobre a
língua e a literatura vernáculas, mas também sobre a prática docente e o
ambiente de trabalho. |
Curso B |
O domínio da língua estudada e
suas culturas para atuar como professores, pesquisadores, críticos
literários, tradutores, intérpretes, revisores de textos, roteiristas,
secretários, assessores culturais, entre outras atividades. |
Curso B- EAD |
Desenvolver uma
prática educativa que leve em conta as características dos alunos e de seu
meio social, sua relação com o mundo contemporâneo, estabelecendo relações de
parceria e colaboração com os pais de forma a envolvê-los na construção e na
valorização dos conhecimentos. |
Curso Br |
Domínio do uso da língua
portuguesa, nas suas manifestações oral e escrita, em termos de produção e
compreensão de textos; reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como
fenômeno psicológico, educacional, social, histórico, cultural, político e
ideológico; visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas
investigações linguísticas e literárias que fundamentam sua formação
profissional. |
Curso Be |
Competente em relação
às diversas linguagens e discursos e que possa atuar com ética, aptidão e
compromisso com vistas à construção de uma sociedade democrática. capaz de
correlacionar teoria e prática, visando à promoção de ações educacionais no
exercício de sua docência e que desenvolva observações e análises que
colaborem para a construção de conhecimentos científicos e educacionais. |
Curso Ca |
Competências relacionadas ao uso
da língua-linguagem, ao domínio dos conteúdos e ao gerenciamento do próprio
desenvolvimento profissional futuro, aos saberes procedimentais e ao domínio
da prática e do conhecimento pedagógico. |
Há muitas
razões para interceder a favor das humanidades como base de construção de todos
os conhecimentos com fundamentos epistemológicos, sejam estes na área das
ciências da vida, das ciências exatas e tecnológicas, das ciências da terra e
das engenharias ou das ciências sociais e aplicadas. Entretanto, tomamos como
ponto de partida a defesa em prol das humanidades como absolutamente
necessárias para as ciências humanas. Reforçamos a assertiva anterior de que o
conceito de humanidades é o conjunto de disciplinas cultivadas nos campos de
investigação e da docência, como herdeiras intelectual e cultural dos estudos
humanitários.
Ressaltamos
que os campos disciplinares das humanidades, mesmo apresentando algumas
variações, não devem afetar de modo significativo os seus próprios núcleos,
tais quais as línguas e as literaturas clássicas, as línguas e literaturas
modernas, a filosofia, a linguística, a retórica, a poética, a teoria da
literatura, a crítica literária e a literatura comparada, a filosofia e a
história, a história da arte e a história das ideias (Silva, 2010). Tendo em
vista que vivemos na era da pós-modernidade os objetos culturais têm se
transformado em mercadoria na volatilidade dos mercados, a estética tem se
dissolvido à serviço da publicidade e seduzida pelos ícones da moda e da
fugacidade do tempo.
As
humanidades, com orientação filológica, histórico-linguística e
histórico-literária centra-se na capacidade de imaginar, interpretar e
representar a experiência humana subscrita em universos textuais. Sustenta a
análise de valores no contexto de sua época, nas projeções e recriações
diacrônicas e nas permanências transtemporais, por isso legitima a capacidade
de intervir ética e civicamente com as grandes vozes clássicas e modernas, na
sociedade e na cultura do nosso tempo (Silva, 2010).
A
justificativa para que as humanidades sejam o centro e o princípio da formação
profissional em nível de licenciatura pode tomar como respaldo as reflexões de
do professor Silva ao dizer que:
As
humanidades são disciplinas que pressupõem e postulam a preeminência da palavra
e dos textos- a palavra e os textos com os quais o homem se constitui como
homem, desde a esfera da religião e da moral até a esfera da poesia, desde a
esfera do conhecimento filosófico científico até à esfera da política e do
direito. [...] Temos de ter a coragem de dizer que as Humanidades estudam e
iluminam o que é fundamentalmente e próprio da natureza humana e que não pode
ser explicado pelas ciências naturais nem pelas ciências sociais, embora umas e
outras possam dar contributos relevantes. (2010, p. 88)
Tomando os conceitos das humanidades como
basilares para a construção do ethos profissional do professor licenciado em
Letras, recortamos dos Projetos Político-Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura
em Letras- Língua Portuguesa da UFPA o Perfil Profissional do Professor (egresso
do curso) e as Competências a Serem Desenvolvidas durante o processo de
formação inicial com os objetivos de refletir de forma interpretativa acerca da
incorporação desses saberes essenciais por aqueles que irão exercer o ofício do
ensino da língua materna no país, abordando as necessidades de fazê-lo de modo
a proporcionar aos educandos do ensino fundamental e médio as competências
essenciais para o desenvolvimento humano e a vida em sociedade.
Levamos em consideração que a construção
coletiva de um Projeto Político Pedagógico no âmbito de uma Faculdade de Letras
Modernas é realizada obedecendo as leis que regem a formação de professores no
país, os órgãos deliberativos e consultivos, como exemplos o Ministério da
Educação e o Conselho Nacional de Educação Superior no Brasil. Tomamos ciência
ainda dos órgãos de consulta e deliberação presentes na própria Universidade, a
dizer, o Conselho Superior de Pesquisa, Ensino e Extensão com o intuito de
orientar e avaliar a elaboração de cada projeto pelas Faculdades afiliadas. As
propostas teórico-didáticas e pedagógicas realizadas nesses documentos
direcionadores, os PPP, são, portanto, sustentadas por outros gêneros que
refratam e embasam as ações: as leis e as normativas.
Apesar de todo arcabouço legal que
direciona a elaboração de um projeto para um curso de Licenciatura, não se pode
dizer que não há liberdade para a formação de bases conceituais para
estruturação do curso e, consequentemente, da formação do profissional de
Letras. Podemos afirmar que um curso de licenciatura carrega em seus propósitos
de formação profissional os conceitos construídos discursiva e
sócio-historicamente pelos mestres que compõem o quadro docente. Neste caso,
lidamos com a crise das humanidades, pois os atuais docentes são provenientes
de uma época recente nos finais das décadas de 1990 até o 2010 em que não houve
a supremacia das humanidades como escopo para a construção dos conhecimentos
necessário para o exercício profissional docente.
As projeções presentes nos projetos
pedagógicos dos Cursos de Letras na UFPA dos vários campi, idealizam perfis
profissionais semelhantes entre si, como exemplos: a expectativa de formar
profissionais cultural e linguageiramente competentes e com domínio do uso da
língua portuguesa, o desenvolvimento da visão crítica e conhecimento
teórico-prático aprofundado sua a estrutura e o funcionamento das manifestações
culturais, a consciência das variações linguísticas. Projetam a competência
para lidar de forma crítica com as linguagens e fazer uso dos recursos
tecnológicos no ensino de língua portuguesa como língua materna, a compreensão
da própria formação profissional como um processo contínuo, autônomo e
permanente em que se articulam ensino, pesquisa e extensão.
Há diretrizes acerca do domínio de um
repertório de informações envolvendo conhecimentos teóricos e práticos que
permitam a ação de profissionais comprometidos com os valores inspiradores da
sociedade e ao cultivo de valores humanísticos com a valorização do
conhecimento. Apresenta-se também as projeções para a aquisição de
conhecimentos teórico-práticos sólidos sobre a língua portuguesa, seu
funcionamento, estrutura e literaturas, as quais devem habilitar o profissional
a exercer sua práxis de forma interdisciplinar em consideração aos aspectos
históricos, sociais e culturais.
No âmbito do desenvolvimento de
competências que os cursos de Licenciatura em Letras que a UFPA oferece há o
intuito de promover as práticas pautadas em princípios éticos, que vão além dos
conhecimentos sobre a língua vernácula, devendo atingir a prática docente e o
ambiente de trabalho, as habilidades para atuar como professores,
pesquisadores, críticos literários, tradutores, revisores de textos,
roteiristas, secretários, assessores culturais e outras atividades ligadas à
linguagem. Há na esfera dos domínios sociais o profissionalismo comprometido
com os valores inspiradores da sociedade e o cultivo de princípios humanistas.
Projetam também o alcance de competências
e habilidades para o domínio do uso da língua portuguesa nas manifestações oral
e escrita, em termos de produção e compreensão de textos, tendo a reflexão
crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico, educacional, social,
histórico, cultural, político e ideológico, visam a utilização de recursos
tecnológicos aplicados à educação e percepção de diferentes contextos
interculturais. Preveem, ainda, que sejam os profissionais de Letras
competentes em relação às diversas linguagens e discursos e que possam atuar
com ética, aptidão e compromisso com vistas para a construção de uma sociedade
democrática.
Em termos de concepção, um Projeto
Político Pedagógico, deve incorporar as referências epistemológicas, com uma
proposta conceitual que explicite o perfil do profissional que projeta formar
na sociedade vigente, assim como as habilidades e competências que pretende
desenvolver em consonância com as diretrizes curriculares nacionais para a área
específica, neste caso, para professores de Língua Portuguesa. É, em si, um ato
discursivo com efeitos para o futuro, em que divergem e acabam por convergirem
diversas ideologias, porém com a mesma finalidade, de tornar efetivo o processo
de formação profissional docente para o exercício da atividade letiva
fundamentada e eficaz.
No decorrer da interpretação desses
vários documentos das várias faculdades de Letras da UFPA encontramos unidade
de ideias e de propósitos. As projeções firmam-se em princípios de democracia e
de igualdade, com o intuito do desenvolvimento profissional com bases sólidas,
capazes de atuar de forma comprometida e crítica para a criação e manutenção de
uma sociedade democrática. Não se pode dizer que há divergências ideais entre
um e outro projeto, apresentam em si as peculiaridades contextuais e históricas
trazidas pelos discursos daqueles que os construíram, dialogicamente, por meio
dos debates, reflexões, ponderações, amadurecimentos e consonâncias de ideias.
De que modo
se identifica um profissional competente? Quando falamos de um físico, um
advogado, um geógrafo, um médico, um engenheiro, podemos avaliar o grau de
inovação pelo trabalhos realizados, como exemplo, a descoberta de uma nova
partícula no universo, uma doutrina absolutamente inovadora na interpretação da
legislação vigente, uma nova fórmula para o cálculo dos relevos da terra, a
cura de uma doença, um projeto de aproveitamento de materiais e métodos de
construção mais eficazes, etc. No entanto, o que diríamos acerca de um
professor se não temos como resultado um produto concreto e imediato, ao
contrário, somente depois de algum tempo os egressos de uma faculdade podem
relatar suas experiências bem-sucedidas de ensino e, assim, podem dizer que a
dedicação para a formação está a dar bons frutos.
Quase sempre
os produtos do trabalho de educar são feitos humanísticos, isto é, apresentam
melhora na vida do próprio indivíduo e têm alcance na comunidade onde passam a
atuar profissionalmente no exercício da docência. Por si mesmo não é
justificável, ou seja, não há um produto a ser devolvido para a sociedade, e
talvez por isso os valores das humanidades na nossa cultura pós-moderna têm
diminuído de densidade e de creditações. Numa sociedade que privilegia os bens
imediatos não há espaço para os feitos que têm reflexos na vida democrática,
pois nesta esfera não sabemos se o ensino de homens e mulheres livres e
responsáveis ética e civicamente tem tido efeito imediato e transformação dos
cidadãos.
Nessa função
de retomada aos valores das humanidades como centro de partida e de construção
para todas as outras áreas do conhecimento, os cursos de formação em
licenciatura na área de Letras têm o papel essencial de propor a interlocução
com a filosofia, as artes e as literaturas como forma de dessacralização da
cultura para que possam ampliar os conceitos de democracia em nossa sociedade,
recuperando o foco de atenção para o ser humano, usando como passo inicial a
revalorização da história das civilizações como fonte de reflexão aprofundada,
tirando das práticas sociais a forma imediatista e superficial que os novos
meios de comunicação e informação têm trazido como meios de interação e de
conhecimento.
Sabemos que
é preciso fazer muito, talvez devemos começar por afinar os conceitos basilares
dos cursos de Letras- licenciaturas, pois dos profissionais que ensinarão a
língua materna e suas literaturas esperamos que, devido à heterogeneidade
linguística e cultural da atual sociedade, possam proporcionar uma educação que
apure o gosto pela literatura, afine as maneiras de ser com o outro, desenvolva
o princípio de alteridade, provoque o juízo crítico, fortaleça as virtudes e os
comportamentos éticos e morais. Esses objetivos não podem ser realizados de
maneira apressada e aleatória, mesmo que não haja um controle factual dos
efeitos da educação sobre uma determinada sociedade, os conceitos fundamentais
que a definem precisam ser solidificados, e, neste caso, recuperados com base
nas humanidades.
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Pedagógico Letras- Língua Portuguesa. PROEG- UFPA- Faculdade de Letras –
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[1] Googlismo é um neologismo utilizado para definir as pesquisas de
cunho superficial através do mecanismo de busca pela rede de internet em que se
pode fazer pesquisas a partir de uma ou várias palavras-chave.
[2] CAPES: Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior é uma fundação vinculada ao
Ministério da Educação do Brasil que atua na expansão e consolidação da
pós-graduação stricto sensu em todos os estados brasileiros.
[3] Grifos do autor.