Los saberes y no saberes
de
profesorado de lengua portuguesa: perspectiva formativa
The Knowledge and not
Knowledge of
Portuguese Language Teachers: Formative Perspective
Maria das Graças
Porto Pires
Universidade
Federal da Bahia,
Brasil.
Lúcia Gracia
Ferreira
Universidade
Federal da Bahia,
Brasil.
Recibido:
08/04/2021
Aceptado:
02/07/2021
DOI: https://doi.org/10.48162/rev.36.019
Resumo.
Este estudo objetiva identificar
os (não) saberes específicos para o ensino de
Língua Portuguesa de professores
sem formação específica. Trata-se de uma pesquisa
de abordagem qualitativa e
(auto)biográfica, sendo de cunho exploratório, realizada
a partir das histórias
de vida. Utilizamos, para produção dos dados, os
Ateliês Biográficos de
Projetos (ABP) proposto por Delory-Momberger
(2014). O corpus da
pesquisa é
composto pelas narrativas (auto)biográficas construídas
nos encontros do ABP e
empregamos a análise de conteúdo como técnica para
análise dos dados. Assim,
evidenciamos que os professores revelaram saberes e não saberes
advindos das
relações sociais e de sua formação
profissional. Constatamos, ainda, a
existência de trajetórias marcadas por histórias de
vida diferentes, mas que
convergem na docência em Língua Portuguesa (LP); que estes
professores aprendem
nos caminhos da docência; que mesmo sem terem a
formação específica conseguem
ensinar. Dessa forma, percebemos os processos formativos a partir da
perspectiva pedagógica presente na prática e da
revelação de saberes e não
saberes para o ensino de Língua Portuguesa, que contribuem para
a construção de
aprendizagens da docência.
Palavras-chave. Professores, Saberes
docentes, Língua Portuguesa, Formação Docente.
Resumen. Este
estudioobjetiva identificar
los (no) saberes específicos para la enseñanza de Lengua
Portuguesa sin
formación específica. Se trata de una
investigación de enfoque cualitativo y
(auto)biográfica, siendo de carácter exploratório,
realizada a partir de las
historias de vida. Para producir los datos, se utilizaron los Talleres
Biografico de Proyectos (ABP) propuestos por Delory-Momberger
(2014). El corpus de la
investigación se compone de narrativas (auto)biográficas
construida en los
encuentros del ABP y utilizamos el análisis de contenido como
técnica para
análisis de los datos. Así, mostramos que los docentes
revelaron saberes y (no)
saberes derivados
de las relaciones sociales y su formación
profesional. Aún así, notamos la existencia de
trayectorias marcadas por
diferentes historias de vida, pero que convergen en la enseñanza
en portugués
(LP); que estos maestros aprendan en las camiños de la docencia;
que incluso
sin tener la formación específica, logran enseñar.
De esta manera, percibimos
los procesos formativos desde la perspectiva pedagógica
presentes en la
práctica y la revelación de saberes y no saberes para la
enseñanza del
portugués, que contribuyen a la construcción de la
aprendizaje de la docencia.
Palabras clave. Profesor,
Saberes docentes, Lengua
Portuguesa, Formación Docente.
Abstract. This
study aimed to identify the
(non) specific knowledge for the teaching of Portuguese Language of
teachers
without specific training. It is a research with a qualitative and
(auto)
biographical approach, being of an exploratory nature, carried out
based on
life stories. The Biographical Project Workshops (PBL) proposed by
Delory-Momberger (2014) were used to produce the data. The research
corpus is
composed of (auto) biographical narratives built in the ABP meetings
and we use
content analysis as a technique for data analysis. Thus, we show that
teachers
revealed knowledge and non-knowledge arising from social relationships
and
their professional training. Still, we note the existence of
trajectories
marked by different life stories, but that converge in teaching in
Portuguese
(LP); that these teachers learn in the ways of teaching; that even
without
having the specific training, they manage to teach. In this way, we
perceive
the formative processes from the pedagogical perspective present in
practice
and the revelation of knowledge and non-knowledge for the teaching of
Portuguese, which contribute to the construction of teaching learning.
Keywords.
Teachers; Teaching knowledge; Portuguese
language; Teacher Education.
Sabemos que o ensino de Língua Portuguesa
(LP) deve estar
voltado para uma visão mais política e promotora de
cultura, sendo o professor
o agente promotor desta política e desta cultura. Assim, ligados
a esse
discurso estão os saberes desses professores, que, por sua vez,
são saberes
voltados para a sua própria ação,
necessários, portanto, a sua prática. Neste
sentido, entendemos que as relações estabelecidas entre o
saber docente,
especialmente o da LP, são importantes para o exercício
do ensino da Língua
Materna.
Nessa perspectiva, o professor mobiliza saberes que
são
construídos nas relações sociais, nas atividades
específicas das disciplinas,
nos desafios de cada área. Assim, entendemos que os professores
de LP possuem
um corpo de saberes específicos, com características que
os definem como
professores de língua materna. Quando esse saber se faz ausente,
podemos
pressupor que os professores possuem um “não saber”.
Dessa forma, este estudo buscou identificar
os (não) saberes específicos para o ensino de
Língua Portuguesa de professores
sem formação específica. Assim, chamamos de
professores de Língua Portuguesa
sem formação específica aqueles professores que
ministram esta disciplina, mas
não têm a formação em nível superior
em Letras.
Nos últimos tempos, tem havido uma grande
preocupação com o
ensino da Língua Portuguesa (LP), pois este tem se baseado,
principalmente, na
gramática normativa e o resultado desse modelo de ensino tem
sido
insatisfatório, o que é evidenciado em
avaliações, como a do Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM) e a do Sistema de Avaliação do
Ensino Básico (SAEB), dentre
outras, em que os alunos apresentam dificuldades em
interpretação e produção
textual. Neste sentido, Geraldi (1995) propunha uma
reorientação para o ensino
de Português, com base na leitura e escrita de textos, como
práticas sociais
significativas e integradas, e na análise dos problemas
encontrados na produção
textual como norte para análise linguística, ao
invés de exercícios estruturais
de gramática normativa e descritiva.
Por isso, as críticas feitas à
atuação do professor são
sempre no sentido de adaptá-lo ao perfil de sociabilidade que se
configura como
dominante. Deve ajustar-se ao próprio projeto educativo da
nação, para
responder às exigências impostas ao país, a fim de
se adequar ao mercado
internacional, respondendo aos padrões que a sociedade global
impõe aos países
dependentes. O mais importante é a incorporação da
ideia de que o esforço de
todos aqueles que estão empenhados em combater a imagem
estereotipada da
educação no Ensino de LP visa libertar a docência
da posição de ser apenas mais
um elemento na reestruturação mundial capitalista e se
constituir em verdadeiro
agente de transformação.
Nos tempos de hoje, em que a escola, a
escolarização e os
professores estão sendo pressionados a se transformar, uma das
formas de
pressão refere-se à construção de uma
concepção de identidade inadequada ao
tipo de professor que a sociedade espera e a Educação
demanda. As pesquisas
realizadas
[1]
sobre o ensino de Língua Portuguesa têm procurado
contribuir, de forma intensa
e decisiva, na formulação de novas teorias que garantam
práticas pedagógicas mais
eficazes e voltadas para uma maior integração entre a
escola, os docentes, os
discentes e a sociedade como um todo.
É válido ressaltar que, apesar dos
grandes esforços e das
eminentes contribuições das pesquisas, o aprofundamento
desses ideais ainda carece
e muito de uma postura mais ampla e abrangente, para poder
alcançar resultados
com maiores índices significativos, individuais e coletivamente.
De fato, atualmente, tem crescido a necessidade de
professores com uma formação que dê conta da
demanda e dos desafios da
disciplina de Língua Portuguesa, pois essa disciplina carrega
consigo uma série
de especificidades que afeta a compreensão e entendimento que
servem de base a
todas as outras disciplinas. Portanto, os profissionais que trabalham
com LP
precisam estar aptos não só para distinguir o que procede
no estudo de LP, mas
também distinguir o que realmente procede, principalmente, no
estudo gramatical
(Oliveira, 2010).
No entanto, o momento histórico pelo qual
passa a educação
nacional, especialmente em leitura e compreensão, exige
reflexão sobre algumas
perspectivas de mudanças, especialmente no que se refere
à formação específica
dos professores que atuam nessa área. Sendo assim, os saberes
dos profissionais
de LP necessitam incidir sobre suas práticas docentes. Contudo,
como nos afirma
Oliveira (2010, p. 37), “enquanto os professores não
adotarem a perceptiva de
língua, o ensino de português se manterá, em muitas
escolas brasileiras, no
nível das sentenças isoladas, descontextualizadas, sem
que levem em conta os
usos que os brasileiros fazem da língua”. O professor de
línguas necessita,
então, construir uma nova imagem e uma nova visão da
linguagem.
A imagem do professor, construída com esses
novos momentos,
continua a girar em torno do modelo de comportamento, como transmissor
de
conhecimentos, como técnico, como executor de rotinas, como
planificador, como
sujeito que toma decisões ou resolve problemas etc. (Oliveira,
2010). Ainda há
uma concepção de formação baseada na
racionalidade técnica, com a meta de
adaptação e neutralização da capacidade
política do professor de se colocar em
posição de agente transformador.
Por isso, os professores precisam se conscientizar
da
importância do trabalho contextualizado em sala de aula, pois a
língua falada
no Brasil tem muitas variações, as quais precisam ser
valorizadas e
compreendidas, de forma que a pronúncia de palavras ditas
“erradas”, erros de
concordância, de regência etc., não sejam empecilho
para a compreensão e
valorização da língua, porque na forma de falar
dos alunos estão embutidos
valores culturais que devem ser considerados ao se avaliar a linguagem
deles
[2]
.
Sabemos que “[...] a educação é uma
condição não apenas necessária, mas
também
suficiente para a resolução dos problemas sociais
enfrentados no país” (Kleiman,
2004, p. 246). Dessa forma, é de extrema importância que a
Língua Portuguesa
seja trabalhada na escola de modo que todos os falares sejam
respeitados,
valorizados e compreendidos.
Sendo assim, Nóvoa (2002) explica que o
processo formativo
dos professores precisa transcender a visão acumulativa de
cursos, de
conhecimentos e de técnicas, devendo estar consubstanciado em
uma ação
pedagógica que favoreça a reflexão crítica
sobre a sua prática docente e
ressignificação constante da sua identidade pessoal e
profissional.
Nessa perspectiva, podemos pensar nos aspectos
subjetivos,
como sugere Pimenta (2012), ao assinalar que os cursos de
formação podem ser
importantes nessa construção, pois possibilitam a
reflexão e a análise crítica
das diversas representações sociais historicamente
construídas e praticadas na
profissão. Assim:
A formação passa
sempre pela mobilização de
vários saberes: saberes de uma prática reflexiva, saberes
de uma teoria
especializada, saberes de uma militância pedagógica. O que
coloca os elementos
para produzir a profissão docente, dotando-a de saberes
específicos que não são
únicos (Pimenta, 2012, p. 33).
Para mobilizar saberes, os professores colocam em
xeque
elementos didáticos que são específicos de cada
disciplina. Nesse ínterim, o
ideal é que os professores de língua exerçam um
ensino voltado para as
experiências vividas na sala de aula e fora dela, que possam
ajudá-los a
construir um trabalho mais lúdico e prazeroso.
Para isso, entendemos que o professor de LP
necessita
vivenciar uma formação adequada e aperfeiçoar esta
formação no exercício da
prática, onde os saberes também são aprendidos e
refinados. Acreditamos que o
saber da Língua Portuguesa seja um saber trivializado (saber da
linguagem,
saber da gramática e saber da comunicação). Assim,
há uma base teórica que
necessariamente o professor deve aprender. De acordo com Shulman (1987):
O professor de linguagem deveria
conhecer
prosa e poesia, o uso e a compreensão da língua escrita e
falada, e gramática. Além
disso, ele ou ela deveria estar familiarizado com a literatura
crítica de
certos romances ou épicos em discussão em sala de aula.
Também deveria entender
teorias alternativas de interpretação e crítica, e
como elas podem se
relacionar com questões de currículo e de ensino. (p. 207)
Destacamos que um professor, para ensinar, deve
possuir um
saber formal. Especificamente em relação ao professor de
LP, ele necessita
mobilizar os saberes da experiência, os saberes
pedagógicos e de preferência os
saberes sensíveis, precisa saber o que ensinar, como ensinar LP,
ter um saber
sobre a língua, sobre o português do Brasil, sobre o
ensino pragmático da
leitura, da escrita, da gramática e do vocabulário,
além de ser um leitor e
conhecer aspectos da literatura (Oliveira, 2010). O professor de
Língua
Portuguesa necessita saber algumas questões específicas
da área de LP, ou seja,
ter um saber necessário para atuar, um saber técnico
específico da LP, porque
não se pode ensinar o que não se sabe.
O ensino da língua materna estabelece que o
professor saiba o
que, como e quem deseja ensinar, exige um conhecimento da língua
e a forma de
integração dessa língua, por isso necessita de
diversos saberes (Mendes, 2008).
Neste sentido, ao professor cabe apropriar-se de saberes que,
além de serem
didáticos, também sejam saberes específicos,
próprios da Língua Portuguesa.
Conforme questiona Roulet (1978 apud Poersch, 1990, p. 10), “como
pode-se
ensinar uma língua sem conhecer sua estrutura e o seu
funcionamento, bem como
os mecanismos que permitem sua aquisição?”.
Compreendemos que são extensos os
saberes dos professores de língua, contudo podemos dizer que
todo professor,
inclusive o de língua materna, deve buscar incluir em suas
práticas de ensino
um referencial de linguagem (Souza, 2009). A partir da reflexão
sobre os usos
da linguagem nos contextos escolar e não escolar o professor
terá elementos
para a sua escolha metodológica? Segundo Poersch (1990, p. 10),
a resposta para
essa pergunta leva a uma concordância de que o professor de
Língua Portuguesa
deve não somente “conhecer a língua que
ensina”, mas, também, conhecer o seu
objeto de ensino, a linguagem.
Souza (2009) ressalta que a linguagem deve ser
sempre levada
em consideração na aula de Português, pois ela
é instrumento de comunicação e
objeto de ensino; além de expor o conteúdo, serve de
estratégia e de discurso,
reforça a ampliação do repertório
linguístico do aluno, sendo este um dos
objetivos do ensino de português. Dessa forma, “o
domínio desse objetivo indica
que o professor deve saber sobre a língua, para que o aluno
possa agir com a
língua” (Souza, 2009, p. 103). A aula de Português
individualiza-se por ser
objeto de ensino e de análise. Assim sendo, o professor de
Português necessita
conhecer as especificidades dessa língua, pois:
Não se pode fazer do
ensino de Língua
Portuguesa uma receita para se (re) produzir seres humanos confeitados
em
fôrmas, calculadamente iguais. Umas das possibilidades para se
chegar a um
reposicionamento educacional pode se dar através da
reestruturação dos ideais
de letramento no âmago escolar. É preciso rever os
conceitos, compreendê-los em
seu todo para que possa aplicá-los nas práticas
pedagógicas escolares. (Pires;
Ferreira; Lima, 2010, p. 22)
O ensino de Língua Portuguesa se reveste de
um valor
individual, porém firmado no caráter social, nos seus
diversos modos, formas e
lugares e com várias possibilidades. Diante disso, acreditamos
que os docentes
também sejam responsáveis pela sua ação, ao
lecionar, ainda que precisem
compartilhar saberes com os demais professores, os quais possuem
características, conhecimentos e competências
particulares; é preciso, então,
conhecer essas especificidades, adquiridas na formação
inicial e contínua.
Ressaltamos que o silenciamento a respeito de alguns saberes docentes
interfere
na constituição dos futuros e já professores,
visto que, a cada dia, novos
saberes são construídos, voltados para o que e como
conhecer (Leal, 2016).
Oliveira (2010) aborda a importância do saber
do professor de
Português para o ensino dessa disciplina e salienta a
importância do
conhecimento das suas especificidades, além dos cinco aspectos
que um professor
de línguas precisa saber: o que é ensinar, o que é
método de ensino, o que é
língua, o que significa saber português e a razão
pela qual se ensina português
para brasileiros. Oliveira (2010, p. 265) ainda afirma que “a
tarefa de ensinar
alguém a se tornar um usuário mais competente do
português é das mais sérias e
delicadas”. Quanto a isso, concordamos com Mira Leal (2009):
O professor de Português
deve estar sensível
para esses dados a ser capaz de o desenvolver no melhor interesse [...]
Para
que o processo de ensino-aprendizagem se possa desenvolver nos termos e
com os
objetivos enunciados, é fundamental que o professor de
Português possua um
conhecimento pedagógico geral e um conhecimento didáticos
da área consistente,
permanentemente revisitados, atualizados e (re)construídos, que
lhe permitam
ser eficiente e autônomo. (p.1306)
Podemos perceber que não basta refletir
sobre as relações
saber e fazer, pois é preciso pensar no professor de
português como uma figura
desafiada a utilizar conhecimentos educacionais e estratégias
didáticas
criativas que, muitas vezes, não estiveram presentes no seu
processo formativo,
mas fazem parte da sua realidade e da realidade do aluno. Nesse
contexto, o
saber ensinar vai muito além do saber científico, contudo
a ausência de um
saber expresso no ensino caracteriza a presença de não um
saber.
Metodologia
Optamos pela
investigação qualitativa, pelo seu caráter
construtivo e processual (Bogdan;
Biklen, 1994). Com esse trabalho de investigação-formação
(Josso,
2004),
também fizemos uso do método (auto)biográfico que tem sua relevância no
processo de
educação/formação de adultos e,
como metodologia, procura conduzir
à
consciencialização de que a formação
é sempre um processo de
(auto)formação
participada.
Desse
modo, uma proposta de formação com uso da
história
de vida vai muito além da utilização de saberes
formais, constituídos,
considerando importantes os saberes da experiência, da
relação com o saber e
com a formação. Sendo assim, a proposta do Ateliê biográfico de Projetos
(ABP), criado por Delory-Momberger
(2014), define-se como:
[…] procedimento que
inscreve a história de vida em uma dinâmica prospectiva,
unindo as três dimensões da temporalidade (passado, o
presente e o futuro), e
visando dar as bases para o futuro do sujeito e fazer emergir o seu
projeto
pessoal, considerando a dimensão do relato como construção da
experiência do sujeito e da história de vida como
espaço de mudança
aberto ao projeto de si. (p. 96)
As narrativas revelam um tempo diferente daqueles
espaços
padronizados, tempo que envolve a construção de uma
temporalidade própria da
história do sujeito, adaptando a (auto)formação
num ponto de vista pessoal. A
autora explica que
a história de vida na pesquisa representa uma construção de
sentido a partir de fatos temporais vividos e que essa prática se
inscreve no
campo da reflexão. Isto significa que as narrativas resgatam o
passado,
alinhando ao seu presente e projetando o futuro.
Os ABP se
constituem obrigatoriamente, segundo a autora, em seis etapas
com ritmos progressivos, de forma crescente. A primeira
corresponde ao momento dos participantes se conheceram e se
familiarizarem com
os objetivos dos ABP, além de tirar dúvidas e acertar os
detalhes sobre os
encontros. A segunda etapa corresponde à assinatura,
negociação e ratificação
coletiva
do contrato
biográfico. Da terceira à quinta etapa,
Delory-Momberger (2006,
2014) deixa claro que são destinadas para a
produção e socialização das
narrativas (auto)biográficas. A sexta etapa é um momento
de reflexão sobre as
narrativas de si e do outro, é um tempo de síntese do
projeto pessoal de cada
um, no qual cada participante apresenta e argumenta seu projeto, faz-se um balanço de
incidência da formação no projeto profissional.
Esta
pesquisa foi realizada no ano de 2018, no município de
Itapetinga,
que pertence à Mesorregião do Centro-Sul baiano, no
território de identidade
Médio Sudoeste da Bahia, situada a 562 Km da capital, com uma
estimativa
populacional em 2018, segundo o IBGE, de 75.470 habitantes, sendo,
assim, a 26ª
cidade mais populosa da Bahia.
Para
seleção dos colaboradores, remetemos à Secretaria
Municipal de
Educação nossas intenções de pesquisa, a
fim de formalizar e obter informações
sobre os professores que trabalhavam com a disciplina de Língua
Portuguesa e
não possuíam a formação específica
na área de Letras. Conforme informação
recebida pela Coordenadora Municipal dos anos Finais do Fundamental, o
município possuía quarenta (40) professores que
lecionavam Língua Portuguesa
(LP). Dentre esses, quatorze (14) não possuíam
formação na área de LP. Sendo
doze (12) licenciados em Pedagogia, um em História e um em
Geografia. De posse
dessas informações, foram realizadas escolhas;
então, ficou decidido que a
pesquisa seria realizada com os professores que lecionavam LP que
fossem
pedagogos. A escolha dos pedagogos se deu por serem a maioria. Assim,
foi
realizado o contato com todos os doze professores e pessoalmente foi
realizado
o convite para participarem da pesquisa. Dos doze (12)
professores/Pedagogos
convidados, quatro aceitaram participar da pesquisa.
Realizamos
as seis etapas propostas por Delory-Momberger (2006, 2014)
em quatro encontros, com seus respectivos temas. O primeiro encontro
abrangendo
duas etapas (1ª e 2ª); o segundo encontro abrangendo
também duas etapas (3ª e
4ª); no terceiro encontro, realizamos a 5ª etapa e no quarto
encontro
concluímos com a 6ª etapa. Portanto, as seis etapas foram
adaptadas e contempladas em quatro encontros.
Os dados desta pesquisa foram produzidos nos ABP.
Para tanto,
utilizamos como recurso a videogravação e os memoriais
escritos sobre os
ateliês para o registro do processo.
No intuito de propiciar o entendimento do todo, os
dados
foram organizados em categorias e apresentados com base na
técnica da Análise
de Conteúdo (AC) de Bardin (2010). O corpus propiciou o
estabelecimento
de duas categorias, pelas quais buscamos apresentar os dados da
pesquisa e, ao
mesmo tempo, confrontá-los com os fundamentos teóricos
pesquisados, permitindo,
assim, uma síntese considerável sobre os aspectos
levantados. São essas
as
categorias: 1) Perspectiva pedagógica presente na
prática; 2) Não
saberes para o ensino de Língua Portuguesa. Os resultados estão
apresentados e analisados
nas páginas que se seguem.
Os saberes do processo (auto) formativo na
construção de
aprendizagens ramificam-se nas narrativas de si, que promovem o
encontro do eu
com o outro, que produz partilha de conhecimentos sobre si e sobre o
outro,
onde os (não) saberes foram revelados e compreendidos. Saberes
advindos de suas
experiências e de sua formação profissional.
Saberes e não saberes que
necessitam ser conhecidos e entendidos, pois o professor de
Língua Portuguesa,
como afirma Guedes (2006), articula eixos epistemológicos de
saberes que
mostram sua competência. Assim, os dados da pesquisa são
apresentados a seguir.
Os professores, em suas falas, se reconhecem
ativos,
tradicionais, cheios de vontades, de carências, de
desilusões na docência em
LP, tal como mencionado nas narrativas adiante.
Eu estou aqui pensando, sou mais o meio termo, o tradicional
acho que não sou, também porque não sei explicar
um assunto gramatical desta
forma tão certinha. Eu faço mais
interpretação, leitura, redação, textos,
poesias... e o que tenho mais facilidade, sabe, a parte gramatical eu
coloco,
mas explicar assim deste jeito tradicional sei não, não,
não. [...] uso muito o
meio termo, eu pego partes do livro e coloco eles para responder,
depois vou
tentando explicar, já o tradicional,
também faço isto, mas tão assim, sou muito
agitado, não consigo ter essa
calma de ficar escrevendo enquanto explico, na verdade explico tudo
depois
mando eles copiarem o assunto do livro... sei lá, fiquei na
dúvida, acho que não sou nenhum, nem outro,
misturo
tudo. [...] procuro sempre estudar, estudar, falo vou estudar isto
aqui,
vou ensinar de uma forma diferente. Quero muito ensinar bem, porque
nunca
ensinei Português, e não tinha a ideia que era tão
difícil, entrei enganado
(Lírio – narrativas orais).
[...] eu acho que
Português está
muito relacionado à cultura, então por os alunos
não terem essa cultura de
leitura, como falei, gente vocês pensam que eu estudava
Português eu não, minha
facilidade é por conta da leitura, de ler, nossos alunos
não têm isso... não
tem esse habito, hoje sei que a regra é necessária
é, mas não dou muita
importância a ela, porque sei que se meu aluno ler ele vai
aprender a escrever
direito. Falo direto é tá lendo, é tá
escrevendo, é prática, Português é
prática
gente. [...] A forma que a gente dá aula
realmente é muito parecido com os professores que a gente teve.
Sou um
pouco diferente porque sempre estudei em escola particular e acho que
tive
esses três tipos de professor, esse mesmo da música tive
muito, para memorizar
as regras para o vestibular. Aí eu percebo que também sou
um pouco de cada
desses, minhas aulas é uma mistura, eu acho né... Eu
não sei bem, mas acho que prevalece o tradicional,
temos que ver
que o tradicional não é ruim, a questão é
se os nossos objetivos estão sendo
cumpridos, se você está dando e está sendo
cumprindo? O aluno está aprendendo? A
gente tem de parar de falar que o ensino tradicional é ruim
porque não é
(Jasmim – narrativas orais).
[...] às vezes
eu sou muito tradicional mesmo, eu reconheço,
eu não sou muito de tá mudando coisa, faço projeto
e tudo mais, mas lá fora a
exigência é do tradicional mesmo [...] gente com certeza,
sou o primeiro,
(tradicional) também foi a forma que aprendi, professor
explicando e depois os
alunos copiam. Aula mais tradicional, dou aula assim, não
“tão” lenta como este
porque sou mais ativa, ando pela sala, mas minhas aulas são
tradicionais. Eu
aprendi assim, sempre trago coisas novas para sala de aula, mas predomina o tradicional. Trago uma
música, um filme, um texto mais atual, mas dentre os três
o mais predominante o
tradicional, sou dinâmica com certeza, porém ensino
tradicional [...] eu acho que o que me levou até a
disciplina foram os bons professores de português que tive, com
certeza foram
eles, e eu tive bons professores vou falar viu, foram bons mesmo. Tem
coisa que
até hoje sei no mesmo jeitinho que aprendi (Rosa do Deserto
– narrativas
orais).
A minha
prática na sala de aula é muito parecida com o professor
tradicional, em que o professor explica o
assunto
utilizando conceitos e exemplos no quadro. Talvez porque eu já
tenha mais de
vinte anos de sala de aula e esteja repetindo a prática
tradicional que aprendi
com meus professores. Não sinto dificuldade em compartilhar os
conteúdos, porém
hoje tenho que reduzir ou retirar conteúdos porque o
nível dos nossos alunos
não dá para acompanhar o que realmente é daquele
ano em estudo. Não deveria,
mas tento sempre simplificar para que eles compreendam o básico
de cada
conteúdo (Rosa do Deserto – narrativas escritas).
[...] Com
certeza o tradicional é o meu jeito de dar aula, eu
não
consigo, seja na explicação ou não sempre vou
falando e escrevendo no quadro,
parece que os alunos só conseguem acompanhar meu
raciocínio se eu der pelo
menos um exemplo no quadro e tenho que escrever, isto é fato.
[...] sempre faço
a relação que tenho que praticar. Porque na época
que aprendi foi praticando,
fazendo exercícios (Flor de Lótus – narrativas
orais).
Vale salientar que D’Ávila e Ferreira
(2018) já se remetiam às
concepções pedagógicas que, inclusive, nos
possibilitaram pensar nas questões
aqui postas. Assim, as narrativas (auto) biográficas não
são um simples
amontoado de fatos ou falas desejadas pelo pesquisador, mas um processo
individual e coletivo de síntese das recordações
dos sujeitos por intermédio de
suas vidas (Ferrarotti, 2010), sendo assim, podemos dizer que elas
trazem o
conhecimento de cada sujeito. Nessas narrativas, pudemos constatar que
cada
colaborador revelou sua docência em LP, ancorados pelos
conhecimentos que
tiveram durante seu tempo de aluno. Nestes destaques, podemos
evidenciar o
quanto a história de vida narrada proporciona a
mediação do conhecimento de si
sobre a sua docência; ao buscarem lembranças dos tempos de
aluno, foram capazes
de refletir sobre suas diferentes formas de ensino e principalmente
entender o
tipo de professor que são hoje, ou seja, se revelam muito
próximos dos
professores que tiveram. Cabe ao professor executar uma forma de ensino
que
realmente lhe pareça bem-sucedida para alcançar os
objetivos de LP e também
definir com que tipo de concepção de língua ele
trabalha.
As narrativas revelam as concepções
de ensino e de linguagem
assumidas pelos professores. Segundo Geraldi
(1999), três concepções podem ser apontadas: 1)
a linguagem é a expressão do pensamento; 2) a
linguagem é instrumento de comunicação; 3) a
linguagem é uma forma ou um
processo de interação. Na primeira, a língua é
concebida como simples sistema de normas, acabado, fechado, abstrato e
sem
interferência do social; na segunda, a língua é um
sistema organizado de sinais
(signos) que serve como meio de comunicação entre os
indivíduos; e a terceira
situa a linguagem como um lugar de interação humana, como
o lugar de
constituição de relações sociais. O autor
ainda esclarece que o professor de LP deve
entender que tipo de concepção de linguagem adota em suas
aulas e acrescenta que
essas concepções forneceram – ainda fornecem
– suportes para o trabalho com a
língua materna na escola. Oliveira (2008), em consonância
com Geraldi, assim
acrescenta:
É importante enfatizar
aqui a importância de
o professor ter consciência de qual concepção de
língua ele adota porque sua
prática pedagógica é influenciada diretamente por
essa concepção. Se o
professor concebe a língua como conjunto de estruturas
gramaticais, suas aulas
serão voltadas para o domínio das estruturas sem nenhum,
ou quase nenhuma
preocupação com os usos que os falantes-ouvintes e
escritores-leitores fazem
dessas estruturas. Nesse caso a tendência é o professor
enveredar pela prática
tradicional de apresentar e exercitar classificações e
nomenclaturas (Oliveira,
2008, p. 115).
Com base no que vem sendo discutido por Ferraz
(2016),
verificamos, pelas concepções que esses professores
assumiram, que eles estão
produzindo um distanciamento da formação reflexiva que
promove a construção de
aprendizagens e é nesse processo que há
edificação de saberes. Uma vez que os
sujeitos reelaboram seus conhecimentos e refletem sobre sua
prática, ocorre um
confronto com os demais campos do saber. Quando eles reproduzem esse
ensino dos
antigos mestres, estão recorrendo à racionalidade
técnica que separa
teoria-prática, ação-reflexão,
finalidade-execução. Desse modo, eles se assumem
como sujeitos que apresentam uma limitação para construir
aprendizagens fora da
concepção de ensino tradicional. Neste aspecto,
concordamos com Ferreira (2014)
quando aponta que os saberes precisam ser condizentes com a sua
atuação, que a
prática deve ser constituída de saberes e os
conhecimentos teóricos embasados
pelo exercício reflexivo desses saberes.
Nas quatros narrativas, os sujeitos se revelam como
professores que usam metodologias tradicionais. Assim, podemos inferir
que a
relação que tiveram com o ensino de LP, quando alunos,
influenciou na forma de
ensinar, hoje, como professores. Mas, como já discutido acima, o
contexto
histórico, social e cultural em que exercemos a docência
nos exige atender as
demandas da época, neste caso, as demandas de hoje. Assim,
atualmente há a
exigência e necessidade de reflexões e mudanças no
ensino, já que há outros
perfis de alunos, com outras demandas, como acesso às
tecnologias, com outros
valores do mundo globalizado.
Assim, um ensino voltado para o
mundo atual tem como pressuposto o ensino da linguagem para que as pessoas
sejam capazes
de elaborar pensamentos, comunicar-se, acessar os mais diversos tipos de
informações e produzir conhecimentos.
Portanto, a compreensão do
que envolve saber uma língua se amplia:
[...] saber uma língua
não se limita de fato
ao conhecimento do léxico, das flexões e da ordem de
organização das formas
linguísticas na estrutura sintática, mas envolve um
conhecimento muito mais
amplo e complexo que habilita o falante a produzir enunciados
funcionais e
socialmente adequados a cada tipo de interação, lembrando
que interagir
linguisticamente não diz respeito apenas a ser capaz de elaborar
e compreender
uma informação em uma dada língua, mas envolve
também ser capaz de produzir
significado, de constituir-se como sujeito de um discurso social e
historicamente construído, interagindo com o outro, na
situação dada, por meio
de um sistema linguístico específico. (Dettoni, 2010, p.
99)
Levar o aluno a interagir com a língua
significa ter uma
prática na qual a exposição do conteúdo
seja estratégia para estabelecer ações
discursivas. Sendo assim, no mundo atual, não há mais
espaço para um ensino
puramente tradicional, um ensino sem interação, sem
reflexão, não deve mais
haver uma prática que revele a ausência de
interação linguística, pois, como
declaram Dourado e Souza (2018, p. 54), “a escolha de uma
concepção de
linguagem é fundamental para o encaminhamento de seu
trabalho”. Cabe ressaltar
que as narrativas apontam que a concepção adotada pelos
professores desta
pesquisa é a tradicional, ou seja, adotam a primeira e segunda
concepção
apontadas por Geraldi (1999).
Nesse contexto, percebemos que uma
formação reflexiva ficou
menos evidente nos professores pesquisados, pois mostram-se apegados a
sua
visão de aluno, “aprendi assim, ensino assim”. As
condições que esses
professores possuem para ensinar português é reflexo da
sua constituição como
professor, ou seja, da maneira como vem se constituindo a sua
docência, ligada
ao meio em que vive, à sua identidade pessoal/social e às
experiências
anteriores à docência.
Sendo assim, Souza (2009, p. 102) ressalta que
“o professor
de português (e não só ele) deve filiar-se a um
referencial de linguagem para
conceber as suas práticas de ensino. A partir da reflexão
sobre o uso da
linguagem em contexto escolar e não escolar”. Dessa forma,
é necessário que uma
nova postura se instaure aos professores que lecionam LP, para que eles
tenham
consciência de suas representações e saberes por
meio da reflexão-na-ação e
sobre a ação, a fim de ajustar futuras atitudes
pedagógicas nos seus diferentes
domínios de ensino da língua materna. Nessas atitudes
deve existir uma
triangulação no processo de ensino, professor, aluno e
saber; podemos dizer que
nesse triângulo o saber não está atrelado somente
ao professor, mas ele
perpassa pelo aluno e, também, pelo próprio saber.
É essa perspectiva tríplice
que produz a construção do ensino e da aprendizagem
(Wittke; Moretto; Cordeiro,
2018).
Diante do exposto acima e quanto à
manifestação e
identificação dos (não) saberes específicos
para o ensino de Língua Portuguesa,
os participantes revelaram:
Acho que preciso buscar
muitos
saberes, muito mesmo... tem tanta coisa
que não sei. Agora quando chega em
interpretação, literatura eu arraso,
eles falam tio mais interpretação? Eu falo vamos meninos,
me ajudem... agora
quando vai para parte gramatical, eu fico estudando, às vezes
até que aprendo
naquela hora. Eu vou falar estou sentido dificuldade. Às vezes
ligo para meu
amigo.... e pergunto, que é isto pelo amor de Deus? Ele me
explica e fala vai
lá que vai dar tudo certo. Eu fico mais calmo e vou mesmo.
Mas... não é mole
não... eu sei que tenho saberes, mas também tenho
consciência que preciso buscar outro saber, um saber mais
específico. Ai gente, tão bom estar discutindo isto
com vocês. [...] mas,
também eu vejo estas provas assim que são aplicadas e
vejo que pedem mais
interpretação, por isso sigo esta linha. A parte
gramatical é muito pouco o que
eles estão cobrando gente!! (Lírio – narrativas
orais).
Os encontros foram
proveitosos para
esclarecer meus saberes em Língua Portuguesa, na verdade os meus não saberes que são maiores (muito
maiores). Sinto-me
angustiado na disciplina, pois tenho medo em não transmitir
saberes aos meus
alunos (gramatical) (Lírio – narrativas escritas).
[...] eu leio muito e
isto reflete
em minha prática, se você me perguntar
se eu sei as regras de português, eu não sei. De cor. Preciso estar sempre lembrando para passar para
eles. Mas
porque não tenho dificuldade de não escrever errado,
porque como eu leio tanto
eu já tenho a memória fotográfica das palavras a
não ser uma palavra que não
tenha lido, que não tenho costume, mas as palavras mais do dia a
dia, eu sei se
está errada ou não só de olhar. [...] Às
vezes a gente não tem opção. Eu sei
para mim muita coisa, mas não sei para ensinar. Eu não
tenho dificuldade para
mim. Mas às vezes não sei ensinar
Português. Eu me sinto frustrada mesmo. Eu não sou boa
para decorar regras,
todo vez que vou dar, tenho que estudar, preciso disto buscar outro
saber,
tenho muitos saberes docentes, mas saberes de ser professora de
Português
preciso buscar, especialmente como ensinar gramática (Jasmim
– narrativas
orais).
[...] Língua
Portuguesa é isto, é
vivência, é experimento estamos com ela no dia a dia e
ainda assim estudamos e
buscamos compreendê-la. É linda... trabalhar com
Português é uma benção, é uma
dádiva. Acho que tive professores que amavam trabalhar com o
Português e passou
isto para mim. [...] A escola está aí
para ensinar mesmo gramática, o português ele
já sabe, sabe falar, saber
colocar, mas não sabe escrever. Ai que entra a gramática,
não é? Eu trabalho
com a linguagem do aluno, mas sou tradicional mesmo e não aceito
nada
abreviado, escrever como WhatsApp nos textos nunca, não aceito,
lá fora você
vai fazer uma redação vai ser aceito? Não vai.
Digo isto para eles sempre. Eu
nesse sentido sou radical, digo uma coisa para vocês eu hoje
estou trabalhando
o básico do básico para o aluno falar da maneira mais
simples possível. Tem
coisas que falo para eles vamos aqui aprender o básico –
sou cidadão, somos
cidadãos, assim sabe... eu falo para eles eu gostaria que
vocês falassem pelo
menos, a gente é, do que nós é. Falo gente
vocês vão precisar, vai treinando.
[...] falando assim vou concordar
contigo, podemos aprender sempre. Não é errado, mas
inadequado, certo? [...]
Vamos pensar um pouco, outro dia estava assistindo TV e o reporter
falou temos
que subir degraus, meu ouvido doeu, levei para sala no outro dia e
falei é degrais ou degraus, e
ficaram sem saber, disse, olha a regra; com U acrescenta
S, com L acrescenta IS. Sabe a regra sabe falar certo. [...] Sei que
só
conhecer o conteúdo não vai ajudar você a ser
professor e praticar talvez não
resolva, tem também o jeito, a didática e por aí
vai... [...] também sei que preciso construir
muitos
saberes para trabalhar Língua Portuguesa, estudar sobre os
falares, a
linguística e tudo mais, mas já estou na disciplina tanto
tempo que nem sei...
(Rosa do deserto – narrativas orais).
Sempre busco ler sobre
a nossa
língua e conteúdos relacionados, como também
formas de trabalhar (metodologias)
em sala de aula, pois cada ano é diferente do outro, as
mudanças no perfil das
turmas são grande e as dificuldades na aprendizagem da
língua maiores ainda
(Rosa do deserto – narrativas escritas).
O bom seria aprender
gramática sem estar
estudando gramática só no link com os textos, quer dizer,
contextualizada.
Porque eu mesmo não sei assim, um saber que não tinha e
lá no curso de textos
[3]
que fiz, aprendi. Pensei se eu pudesse trabalhar
assim... e aí é o
que sinto falta na faculdade hoje, fala de gramática
contextualizada, mas não
ensinam como fazer. Só teoria e você não consegue
ver esses links. Como ensinar
sem aprender? Me pergunto o tempo todo na faculdade. [...] acho
que não dar para você estudar uma língua sem
conhecer suas regras,
tem que estudar gramática. E a gente não consegue
só nos livros. [...]
então, eu tenho muita dificuldade de enxergar essa
produção individual do aluno
e perceber erros assim bem sucinto, como por exemplo de um aluno fazer
igualzinho o outro, ter o mesmo erro gramatical e eu achar que copiou
do outro,
não sei vocês, mas eu tenho muita, é um
saber que fico devendo perceber nas escritas dos meus alunos suas falhas
(Flor de Lótus – Narrativas orais).
O ato de ensinar implica a existência de um
saber para ser
mediado. Os colaboradores relatam sobre o saber da docência em LP
e podemos
identificar nas falas a existência de saberes e também de
não saberes
específicos para o ensino de LP. Os professores compreendem a
importância de construir
esses saberes, mesmo que não estejam presentes no seu processo
de ensino. Eles
revelaram saberes, os suportes que tiveram para adquiri-los, contudo,
inadequados para a realidade educacional atual. Assim, concordamos com
Gauthier
et al. (2013) quando afirma que o ofício dos professores
apresenta
simultaneamente aspectos que resultam na constância e
contingência no fazer
desses profissionais.
Lírio reconhece que não sabe ensinar
gramática, mas registra
a construção de habitus para lecionar LP. No
registro de suas
fragilidades, manifesta a necessidade de construir saberes
específicos em LP,
pois, além de não saber sobre conteúdos
gramaticais, tem dificuldades nas
metodologias para o ensino de LP. Os não saberes são
referenciados com
tristeza, como algo que atrapalha sua docência, contudo relata
seus saberes com
entusiasmo, mostrando que pode ir além das suas possibilidades,
é como se a
fortaleza estivesse presente também naquilo que não sabe.
Refletir sobre a LP
levou Lírio a entender as suas dificuldades na disciplina.
Jasmim narra sobre um saber implicado na leitura,
reconhece
que não sabe; deixa claro em sua fala que sabe LP para si mesma.
Ela se mostra
uma professora tentando se engajar na disciplina, que reconhece seus
saberes
pedagógicos, contudo expõe que tem dificuldade na
mediação disciplinar de LP,
um não saber da gramática normativa, das regras
gramaticais. Jasmim realiza uma
reflexão dos seus saberes, sempre apoiados na leitura que
realiza como pessoa,
para justificar que não sabe – que não deseja
– ensinar LP.
Rosa do Deserto fala da importância de saber,
de conhecer o
conteúdo. Essa afirmação parece corroborar sua
postura diante da disciplina que
leciona, ela ressalta que o papel da escola é ensinar
gramática, mesmo
esclarecendo que procura adaptar suas aulas aos conhecimentos dos
alunos. Em
sua fala fica evidente o saber disciplinar e o saber pedagógico.
Contudo, há
uma falta de saber como contextualizar essa gramática e como
entender as
variações linguísticas. Revela-se uma professora
que busca conhecer sobre a
língua, sobre novas metodologias, reconhece que ensina em uma
época diferente
da que estudou, porém ainda não se desprendeu do modelo
de ensino que tivera.
Flor de Lótus revela um saber disciplinar,
mostra insegurança
em trabalhar a gramática contextualizada (mesmo estando no
processo de formação
específica), narra um saber que fica devendo, um saber que
não lhe foi
ensinado. Esperava adquirir este saber no curso de Letras, que ela
mesma
confirma que não foi possível.
Todos reconhecem que precisam de saberes para serem
professores de LP, além disso também entendem que
precisam saber como ensinar
as regras gramaticais no contexto atual da educação.
Apesar de alguns deles
mostrarem ter o saber disciplinar, este se limita muito a regras
gramaticais,
que se configuram como parte das convenções da
língua, muitas vezes criticada.
Sabem e reconhecem a necessidade de um ensino que contemple as
variações
linguísticas de um ensino contextualizado, mostram em suas falas
a desconexão
entre o saber específico da LP com a sua atuação
na sala de aula, deixando
transparecer a discrepância da sua prática com a falta de
uma formação
reflexiva – prática que impossibilita um ensino de língua bem-sucedido.
Sobre essa questão da discrepância
entre formação e prática,
Soares (2005) discute a respeito da identidade do profissional docente
de LP,
quando aborda a necessidade que sempre houve de um profissional formado
justamente para transmitir os conhecimentos em torno da LP e que, ao
longo da
história, vem atuando para valorizar a norma culta da
língua.
A função do ensino
de Português era assim,
fundamentalmente, levar ao conhecimento, talvez mesmo apenas ao
reconhecimento,
das normas e regras de funcionamento desse dialeto de prestígio;
ensino da
gramática, isto é, ensino a respeito da língua e
análise de textos literários.
(Soares, 2005, p. 3)
Ainda hoje percebemos essa persistência em um
ensino de
língua entendido como ensino da gramática, que já
deveria ter sido mudado;
dessa forma, verificamos um ensino sem mudanças significativas
nos objetivos da
disciplina, um português como explica a autora:
[...] estudo sobre a
língua e estudo da
língua começa a deixar de ser duas áreas
independentes, e passam a
articular-se: ora é gramática que se vão buscar
elementos para a compreensão e
a interpretação do texto, ora é no texto que se
vão buscar estruturas
linguísticas para a aprendizagens da gramática. Assim ou
se estuda a gramática
a partir do texto, ou se estuda o texto com os instrumentos que a
gramática ofrece.
(Soares, 2005, p. 7)
Dessa forma, o excerto de Soares é um
exemplo das
“aprendizagens” que os professores revelam construir, ou
seja, falam que
ensinam de uma maneira, mas nas próprias falas revelam outro
modo, que no final
é o mesmo, ancorado numa perspectiva tradicional, que limita a
construção de
saberes e reduz os saberes a cópias e reprodução. É preciso sistematizar e
explicitar os conteúdos linguísticos para que se
favoreça o desenvolvimento das
habilidades
linguísticas dos alunos e possibilite um ensino de língua
produtivo (Travaglia,
1998). Ao
tratar do mesmo tema, Wittke, Moretto e Cordeiro (2018, p. 31) afirmam
que “o
objetivo do ensino precisa ultrapassar abordagens de conteúdos e
desenvolver
competências no uso da linguagem, a partir de práticas do
dia a dia”. Sendo
assim, não faz mais sentido um ensino de língua que se
encerre nos conteúdos
meramente gramaticais, nas nomenclaturas, classificação
de palavras, análise de
frases descontextualizadas, como se via e ainda se vê, no ensino
tradicional de
língua. O ensino de Língua Portuguesa deve estabelecer
premissas que
privilegiem um ensino focado na leitura, análise
linguística, interpretação e
produção de textos.
Neste contexto,
concordamos com Mira Leal (2009), quando assim afirma:
É fundamental que o
professor de Português tenha consciência de que uma
parte considerável dos saberes envolvidos na compreensão
e produção oral e
escrita supõe a aprendizagem e o treino de competências
muito finas por parte
dos alunos, que compreenda que essa reponsabilidade lhe cabe
primordialmente e
seja capaz de a desempenhar com eficácia. (p.
1306)
Isto significa que essa consciência afirma
uma reflexão sobre
os saberes da/na prática, para promover um diálogo com as
teorias educacionais,
possibilitando uma mudança significativa nas práticas docentes dos
professores,
concebendo-as como campo de produção de conhecimentos, do qual emergem os
saberes e
experiências dos profissionais (Tardif, 2014).
Sendo assim, os
saberes de atuação do professor de LP devem focalizar em
duas vertentes, os
saberes científicos e os saberes a serem ensinados (Francescan;
Cristovão;
Tognato, 2018). O primeiro engloba o saber dos conhecimentos que o
profissional
deve dominar para poder fazer; o segundo, são saberes
processuais que os
profissionais devem dominar para o seu fazer, pois “o saber
precisa ser
didatizado, mas sem ser simplificado em demasia” (Wittke;
Moretto, Cordeiro,
2018, p. 29); para fazer essa transposição
didática, o professor de língua
precisa desenvolver competências no uso da linguagem e entender
que o principal
nas “[...] aulas de português não é a
nomenclatura gramatical e, por isso, o
professor precisa vê-la como meio, possível, mas
não necessário e não como fim
retirando do centro de suas aulas” (Oliveira, 2010, p. 38). O
mesmo autor
também nos informa que saber dar aula de português
não significa somente saber
explicar as construções gramaticais, mas entender que na
sua tarefa de ensino
necessita elaborar três competências: gramatical,
sociolinguística e discursiva
e ainda saber qual concepção de linguagem se adequa a sua
metodologia.
Wittke, Moretto e Cordeiro (2018) defendem que o
professor de
língua materna deve administrar o uso das regras gramaticais e
desenvolver
competências no domínio oral e escrito, bem como ter uma
prática reflexiva para
levar o aluno também a refletir sobre a língua e seus
discursos. Percebemos que os
professores pesquisados possuem
saberes que refletem suas preocupações pedagógicas
e didáticas (saberes para
ensinar) e uma ausência de saberes disciplinares (saberes a
ensinar). Ferreira
(2014)
ressalta que os saberes não são estáticos e
acabados, então é necessária uma
ligação entre teoria e prática no campo da
formação e do exercício docente.
Evidentemente o domínio dos conteúdos a serem ensinados
é fundamental para o
exercício da
docência em LP, contudo não podemos subestimar o quanto o
saber docente pode
ser recriado e mobilizado no poder transformativo de cada ato
pedagógico, daí a
necessidade de uma formação reflexiva. Baseado nisto,
Campos (2013) afirma que
os saberes abrangem conhecimentos, competências, habilidades e
refinam as
capacidades, ademais permitem que o docente amadureça pela
própria atividade de
ser professor.
O achado que trazemos para reflexão é
a (auto)formação
construída nas interações promovidas nos ABP. Os
encontros foram percebidos
pelos professores como lugar de formação,
produção de conhecimento e de
aprendizagens. As discussões permitiram a compreensão
sobre o ser professor de
LP, dando oportunidade de diálogos que os levaram a refletir
sobre as histórias
de vida, marcadas por fragilidades e fortalezas. Foram
construídos conhecimentos
sobre si e sobre o outro, na relação consigo e com o
outro. Neste sentido, a
biografização de si aconteceu a partir das narrativas
compostas pela fala, pela
escuta e pela discussão e reflexão dos diálogos.
Portanto, intercambiamos
histórias e passamos por um processo de
(auto)formação. Isto contribuiu para
que os professores revelassem as suas identidades pessoais, sociais
construídas
no intercâmbio com a vida e com a docência.
Os (não) saberes ali produzidos e revelados
são saberes sobre
a docência e sobre a vida que dialogam com a possibilidade de
compreensão e
reconstrução dos próprios saberes. Percebemos um
ao outro para além das nossas
competências pessoais, sociais, mas como seres históricos
e inacabados, com
capacidade de se reinventar.
Constatamos que os professores revelaram saberes
advindos das
relações sociais e de sua formação
profissional, ou seja, saberes específicos
da docência e também não saberes disciplinares da
Língua Portuguesa. Ainda
percebemos as concepções de ensino e de linguagem
assumidas pelos professores
colaboradores que coadunam com uma formação pouco ou com
reflexividade
insuficiente no exercício da função.
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Linguísticos. In: Souza, E. M. F.; Cruz, G.F. (Orgs.). Linguagem
e ensino:
elementos para reflexão nas aulas de língua inglesa e
língua portuguesa.
Vitória da Conquista: Edições UESB, p. 97-112.
Tardif, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional.
17 ed. Petrópolis, RJ: Vozes.
Travaglia, L. C. (1998). Gramática e
interação: uma
proposta para o ensino de gramática.
4 ed. Cortez.
Wittke, C. I.; Moretto, M.
&
Cordeiro, G. S. (2018). Formação docente e ensino: a
alquimia do saber. In: Wittke, C.
I.; Moretto, M. &
Cordeiro, G. S. (Orgs.) Dilemas
e perspectivas didáticas em formação docente e
ensino de
línguas: entre prescrições e práticas.
Campinas, SP: Mercado das Letras, p.
11-20.
[1]
Como as de Geraldi (1995, 1997, 2004), Travaglia (2001),
Oliveira
(2010), Kleiman (2004), Antunes (2003), Faraco (2005), dentre outros.
[2]
Para maior aprofundamento sobre o assunto das
variações
linguísticas, ver Bagno (2007) e Bortoni-Ricardo (2005).
[3]
Curso de produção textual, feito pela
professora, oferecido pelo
banco (outra atividade que exerce).