Saberes y prácticas. Revista de Filosofía y Educación, ISSN 2525-2089

A experiência estética na formação de professores: linguagens e aprendizados na educação

Aesthetic Experience in Teacher Training: Languages and Learning in Education

Experiencia estética en la formación de profesores: idiomas y aprendizaje en educación

Tania Micheline Miorando

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.

tmiorando@gmail.com

Valeska Maria Fortes de Oliveira

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil.

vfortesdeoliveira@gmail.com

Recibido: 01/10/2020

Aceptado: 25/12/2020


Resumo. A educação qualifica suas discussões ao trazer para a formação de professores a experiência cinema e o cuidado ético-estético. A investigação objetivou compreender os processos formativos docentes na formação inicial de professores a partir do instituinte ético-estético em educação, mobilizados pelo cinema. O estudo relacionou a formação ético-estética no aprendizado da Língua Brasileira de Sinais para professores ouvintes em formação inicial. As discussões teóricas, com base no Imaginário Social, de Castoriadis, discutiram a Formação Inicial de Professores e o Cinema, a Estética e a Ética. Os dispositivos metodológicos fundamentaram-se na pesquisa-formação (Josso, 2004), a partir de narrativas dos estudantes. Os resultados apontaram que a formação inicial dá espaço para romper com o racionalismo de programas curriculares quando se permite a leituras matizadas com a arte e discussão estética, saindo de formalismos reducionistas de programas curriculares. Ainda, veio reafirmar o diálogo, provocado pelo cinema na formação de professores, instituindo a ética e a estética na docência.

Palavras-chave. Formação de Professores, Língua Brasileira de Sinais, Imaginário Social, Cinema e Educação, Estética.

Abstract. Education qualifies its discussions by bringing cinema experience and ethical-aesthetic care to teacher training. The investigation aimed to understand the teacher training processes in the initial teacher education based on the ethical-aesthetic institute in education, mobilized by the cinema. The study related the ethical-aesthetic formation in the learning of the Brazilian Sign Language for teachers hearing in initial formation. Theoretical discussions, based on Castoriadis's Social Imaginary, discussed Initial Teacher Education and Cinema, Aesthetics and Ethics. The methodological devices were based on research-training (Josso, 2004), based on the students' narratives. The results pointed out that the initial training gives space to break with the rationalism of curricular programs when readings nuanced with art and aesthetic discussion are allowed, leaving reductionist formalisms of curricular programs. Still, it came to reaffirm the dialogue, provoked by cinema in teacher training, instituting ethics and aesthetics in teaching.

Keywords. Teacher training, Brazilian Sign Language, Social Imaginary, Cinema and Education, Aesthetics.

Resumen. La educación matiza sus discusiones aportando la experiencia cinematográfica y el cuidado ético-estético a la formación del profesorado. La investigación tuvo como objetivo comprender los procesos de formación docente en la formación inicial docente a partir del instituto ético-estético en la educación, movilizados por el cine. El estudio relacionó la formación ético-estética en el aprendizaje de la Lengua de Señas Brasileña para profesores oyentes en formación inicial. Las discusiones teóricas, basadas en el Imaginario Social de Castoriadis, abordaron la formación inicial del profesorado y el cine, la estética y la ética. Los dispositivos metodológicos se basaron en la investigación-formación (Josso, 2004), a partir de las narrativas de los estudiantes. Los resultados señalaron que la formación inicial da espacio para romper con el racionalismo de los programas curriculares cuando se permiten lecturas matizadas con arte y discusión estética, dejando formalismos reduccionistas de los programas curriculares. Aún así, llegó a reafirmar el diálogo, provocado por el cine en la formación del profesorado, instituyendo la ética y la estética en la enseñanza.

Palabras clave. Formación docente, Lengua de señas brasileña, Imaginario Social, Cine y Educación, Estética.


O contexto: Aprendizes e aprendizagens


Este trabalho apresenta a discussão feita a partir da tese que defende a formação ética-estética na formação inicial para a docência, abrindo-se à experiência cinema, cuidando cada um desses elementos como formativos para a professoralidade que se constitui. Por isso, falar da formação de professores, a partir deste momento será interpelado pela experiência estética.

O cuidado em trazer à pauta para discutir, compreender e efetivar a arte - o cinema - na educação, é premente. Perguntamo-nos em quais circunstâncias isso se põe tão necessário e levamo-nos a colecionar indicativos que mostram o quanto é importante, ao sairmos de índices que atravessam, desde o não acesso a meios letrados, até o analfabetismo funcional, a busca pelos mais diversos elementos que compõem o letramento social (Street, 2014). Dentre eles, ressalto a possibilidade da experiência cinema para a formação inicial de professores.

Neste trabalho apresentamos a experiência de levar turmas de professores em formação inicial a pensar seus estudos a partir de inspirações que o cinema provoca sob o cuidado estético, atentas à ética que se estabelece ao manifestar suas e nossas narrativas. Especificamente, esta pesquisa deu-se entremeio ao aprendizado de linguagens: a Língua de Sinais e a linguagem cinematográfica. Assumimos, os estudantes e nós, durante o processo de estudo, que o conjunto de vocábulos - orais ou sinalizados - expressam para além de um enunciado. Falamos muitas línguas e há nessa comunicação uma linguagem para se fazer um filme.

A Língua de Sinais está na formação inicial de professores para além de um dicionário/sinalário. Aprender uma língua é transpor o corpo para mais um território cultural e aproximar-se dos sujeitos que ali habitam a língua que falam. O exercício de pensar na língua (Gadamer, 2007) foi mais um desafio ao aprendizado, pois que tencionava ocupar um corpo que pisava em outro território. E quanto mais adentravam na língua, mais corpo lhe pedia o aprendizado: expressões, trejeitos, emoções, sussurros e silêncios. Palavras emprestadas sussurravam a todo momento o cuidado em dizê-las.

Professores em formação inicial viviam a experiência ética (Hermann, 2005) pelo transcurso discursivo de linguagens: ver e falar por imagens, ouvir e interpretar sons e silêncios. A Língua de Sinais e o cinema compunham o ineditismo de cenários para aprendizagens já percorridas: conhecer uma língua. Os métodos para a aprendizagem de língua não eram novos, mas a experiência que estava sendo vivida nesse momento, junto de muitos sentimentos, estava sendo narrada pela primeira vez. Agora, jovens adultos, podiam falar de como sentiam-se ao aprender e quando experimentavam o lugar da docência poderiam, outra vez, pensar sobre o que acontecia consigo, nas aulas e sobre suas projeções com esses novos conhecimentos.

A docência se escrevia em recomendações imagéticas entre narrativas desacostumadas, desacomodadas. Ocupar uma tentativa de vestir por palavras novas falas, poderia ser tão diverso quanto comum: exigia tomar uma liberdade de expressar-se e experimentar-se. O mais importante que ocorreu foi a possibilidade de um estranhamento de discursos sobre o outro, que poderia estar acontecendo pela nova língua que aprendiam. O cinema emprestava imagens para figurar argumentos nas formulações de suas narrativas: para a docência, para a sua cidadania, para a vida.

A professoralidade (Pereira, 2013) que instituía sua estética docente ensaiava-se entre memórias (Bosi, 2010) que vinham sobrevivendo em relatos de lembranças, de um imaginário instituído e as intenções cheias de planejamentos que passavam a inspirar ao instituinte (Castoriadis, 1987b). Um mesclado de presente, projetado na profissão que pretendiam atualizar, de mãos ainda às sensações de rotinas escolares, nem tão distantes. A presença de uma escola com outros cheiros e outros movimentos para um protagonismo ora docente, na sua autoria de planejamentos e pensamentos, ora discente como aprendiz de um lugar que precisa ocupar com suas próprias palavras e manifestações.

A docência, o cinema e a experiência estética, foram questões trazidas durante todos os encontros que estivemos juntos nesta formação e assim provocadas para que seguissem em suas carreiras profissionais. O tanto que buscamos por legitimar espaços para o pensar com o cinema é por sua força em percorrer tempos e espaços, inspirações: eram as nossas, pairavam entre nós e seguirá com cada um. Ter presente na formação a experiência estética promove movimentos que ressurgem sob muitos outros nomes, quando sua ausência não preenche o sentido do que compreendemos que seja a vida na escola.

A discussão que segue trará as provocações metodológicas em ações que foram investidas na organização do estudo. De um exercício a outro, as experiências cumpriram com a rigorosidade que a academia requer para seus estudos, explicados em cada uma de suas etapas. Vislumbrando os objetivos, propusemos um conjunto de ações que se oferecessem a dar materialidade aos argumentos conceituais que trazíamos em nossas hipóteses para a investigação.


Cenas de caminhos metodológicos


As tramas que indicaram os caminhos metodológicos deram-se pelos movimentos que os convidados a participar deste estudo manifestaram.Todos os alunos matriculados nas turmas de Língua Brasileira de Sinais - Libras, presencial, de uma Universidade Comunitária do sul do Brasil, que aceitaram participar da pesquisa, puseram-se integrar e interferiram com seus posicionamentos. Participaram os estudantes de licenciaturas, em formação inicial, no total de oitenta e quatro (84) estudantes no primeiro e segundo semestres letivos de 2017, em três turmas.

Nessa universidade, na graduação, no ano em que foi feita a investigação, a disciplina de Libras tinha a carga horária de sessenta (60) horas e continua sendo ofertada em todos os semestres. Em 2017, no primeiro semestre, foram duas (2) turmas presenciais, com vinte e quatro (24) estudantes, de quatro (4) cursos de licenciatura: Educação Física, Letras, História e Pedagogia. No segundo semestre de 2017, foi apenas uma (1) turma presencial com dezessete (17) estudantes da licenciatura, dos mesmos cursos.

Ressalta-se a jovialidade presente na sala de aula que poderia ser pelas condições de exigência que esse espaço trazia em deslocar-se aproximadamente uma hora de suas cidades de origem para essa Instituição de Educação Superior, referência nessa região e equidistante também aproximadamente uma hora de outras instituições de condição semelhante para a modalidade de ensino presencial. As aulas se davam no turno da noite, e com poucas exceções, todos eram estudantes trabalhadores durante o dia. As idades tocavam a faixa etária entre 18 e 30 anos, e isso também diz de seus modos de ler o mundo.

A busca pelas informações para constituir esta investigação transcorreu o tempo dos dois semestres de 2017, no decurso de nossas aulas para também experimentar a formação que acreditamos: a partir das práticas que já costumamos cumprir, analisando-as para a formação que (esperamos) esteja acontecendo com os jovens professores em formação inicial. A função docente se estabelece instituindo uma estética, que se transforma na própria professoralidade (Pereira, 2013) que se concebe. As marcas por ela deixadas mostram a diferença que se produz dia a dia pelas escolhas pedagógicas ao exercer a função docente.

A materialidade para a análise do texto emergiu de narrativas da formação dos estudantes, que selecionamos para esta investigação, afloradas dos estudos de nossos encontros. Esta mesma prática já vimos experimentando há mais semestres e está relacionada também com a Educação de Surdos e o aprendizado de Libras. Assistimos a vídeos, filmes de curta e longa duração, entremeio falávamos em Língua de Sinais. Mas nestes últimos dois semestres, especialmente, foram escolhidos alguns filmes do diretor Abbas Kiarostami: cineasta, poeta, roteirista, produtor, fotógrafo e escritor iraniano, falecido em 04 de julho de 2016, em Paris, na França, aos 76 anos de idade, assim anunciado pela mídia.

Os filmes de Kiarostami trazem uma linguagem que convida a dar o tempo de olhar e pensar em suas proposições, para seguir pensando. Os muitos caminhos que Kiarostami (Bernardet, 2004) percorre e oferece em suas obras são físicos e metafóricos: chamam a andarilhar por dentro de cada um que os decide acompanhar. Não nos sentimos abandonados porque junto vêm muitos que também assistem ao filme conosco: uma experiência coletiva e única, de entrar por imagens e sair diferente. Tudo o que um filme nos diz, conversa com anos de vivências cotidianas que ora se confirmam ora nos inquietam. A cada sessão olhamos para outras cenas e seguimos para outras direções, buscando sentidos.

Os recortes do ordinário que nos ocupam, o cineasta traz em suas obras pinçadas em filmes que são tão corriqueiros em nosso cotidiano que poderiam passar com poucos comentários. Entretanto, voltar a olhá-las e pensar no que nos dizem é colocá-las sob uma lupa e perceber que nossas ações, embora corriqueiras, não são menos importantes. Assim na vida, assim no filme, assim na escola e para a docência. Temos a vida de pessoas que vieram até nós acreditando em nossa atuação de professores. E vêm muitos dias de suas vidas até a escola. Assim vamos muitos dias de nossas vidas a uma escola.

O cinema como um dispositivo fílmico para o estudo reafirmou os parâmetros qualitativos que elegemos: "É só pela motivação do questionamento que se estabelece o tema e o objeto da investigação" (Gadamer, 2015, p. 377). Não estamos pela busca de respostas, mas pela inquietação que um diálogo movimenta. O que poderia aparecer como prováveis resultados, em outro contexto, com outros sujeitos, poderia levar a outros indicativos para pensar questões muito semelhantes. Este estudo, como propositivo de uma docência investigativa, se pôs a pensar com este grupo de professores em formação inicial e apresenta evidências que poderão ser muito próprias deste grupo.

As escolhas que fazemos - ou não - pulam para o discurso e se transformam em narrativas. Estas, recolhemos na intenção de apurar o olhar e observar o que elas nos dizem. Para o estudo da tese, apontamos excertos que foram se destacando entre os exercícios de aula, rodas de conversa e estudos. Não selecionamos momentos especiais, mas todo o tempo que estávamos juntos eram possibilidades de formação e por isso, possível de estar entre as informações para compor a compreensão das referências para a pesquisa. A seguir, trazemos os estudos em que de algumas delas situaram discussões pontuais e outras atravessaram o tempo dessa investigação.


Narrativas que roteirizaram uma pesquisa-formação


Outra argumentação que apareceu para os cuidados metodológicos foi a pesquisa-formação (Josso, 2004), que se colocou tramada às propostas que estávamos trazendo. Pelas narrativas de formação (Josso, 2004) se ousava falar de si, vendo-se narrado em um conjunto de ideias que se dava a conhecer o que se estava dizendo de forma escrita, oral, sinalizada ou imagética. O tempo despendido em narrar, retribuía-lhe o pensar sobre o que dizia. Ao seu exercício, possibilitava "fazer de cada experiência de pesquisa-formação uma contribuição para a reflexão conjunta" (Josso, 2004, p. 128).

O tempo da formação, aqui em processos principiantes para estudar a escolha profissional, ainda estava sob "a mediação de uma linguagem e o envolvimento de competências culturalmente herdadas" (Josso, 2004, p. 49). Havia um espaço de ensaio para compor a figuração docente que protegia de algum julgamento que incidisse em "erro". O que fazíamos aqui era encorajarmo-nos a mostrar atitudes para uma docência que estava sendo elaborada em sua composição. As escolhas que poderiam ser feitas, ainda seriam melhor pensadas, afinal, a docência é processo investigativo a cada contexto que se aproxima.

Ao recolher em um conjunto as informações que foram se acumulando com as escritas dos licenciandos, pudemos compreender que, a partir de referências que traziam, suas considerações vinham de percepções autobiográficas. Em suas palavras apareciam escrituras de seus corpos e relatos de suas vivências, que diziam de suas histórias (Josso, 2012). Quem já estava na escola, atuando, trazia em suas narrativas a sua visão da docência - agora em suspenso por participar de uma formação profissional para exercê-la.

No olhar para as escritas foi visto como "a narrativa tornou-se um caminho para o entendimento da experiência" (Clandinin; Connelly, 2011, p. 27). A linguagem, atualizada nos atos de fala, mostra, em parte, como procedemos na construção de nosso mundo social (Delory-Momberger, 2014). E foi por este caminho que nós os acompanhamos, observando suas narrativas nas conversas coletivas que se faziam em nossos encontros. Acreditamos que mesmo se contando, formulam uma projeção de si, que não era intuito perceber o que poderia ser ou não, mas como falavam de si e quais percepções traziam. Afinal, para a formação de professores, o exercício é pensar e conversar sobre o que pensamos.

Pudemos conhecê-los melhor quando de si falavam e emergia em suas histórias a inserção social que os relacionava a esse espaço, suas buscas culturais e investimento profissional. Pelas falas, expunham seus gostos e de suas opiniões, saltavam seus juízos a respeito de convenções e códigos, que em seus grupos foram sendo construídos. Não há intenção de prever como agiriam profissionalmente, mas ali se inscrevem atitudes morais ou ideológicas (Delory-Momberger, 2014), as quais, em seu conjunto, formam a sociedade que edificamos.

Durante as rodas de conversa, amizades se firmavam e suas narrativas aproximavam ou questionavam posturas. A pesquisa narrativa (Clandinin; Connelly, 2011) foi artifício para rememorar, imaginar e dizer de suas experiências para levá-las para os textos de pesquisa, estudos e ensaios se reafirmando, podendo provocar um "modificar-se" e criar novas histórias, reafirmar outras. O que muito gostamos de perceber foi que há narrativas que ao serem recontadas como crenças, estariam perdendo sua argumentação de um lugar seguro, abrindo fissuras para o instituinte de uma docência criativa, possivelmente mais autoral.

A pesquisa-formação constitui-se nesse movimento em que cada um investiga a si, reconhecendo-se como autor de sua história - ou o quanto delega ao outro a sua formação. Os narratários ao contarem-se, compreendem suas histórias ouvindo-se, como se exteriormente lhe fosse contado: falam e ouvem-se, como em um filme, seu filme (Delory-Momberger, 2008).

As narrativas que fomos agrupando foram reunidas pela correlação aos temas que as discussões se estendiam. Depois de nossas conversas, sempre transcorria um tempo para escrever e pensar sobre as inquietações que persistiam. As aprendizagens desse momento, transcritas em palavras, traduzem "uma oportunidade para exercermos um juízo, uma ação, um comportamento, uma atitude interior, levando em consideração as perspectivas abertas pela procura de articulação" (Josso, 2004, p. 108) das buscas e práticas de nossa ação consciente (Tardif; Lessard, 2011). Por aí se estabelecia uma experiência de diálogo aberto e compartilhado do que pensávamos, junto ao que compreendíamos por estudos para a aprendizagem de Libras e para a formação profissional - para a docência ou outra formação técnica.

Tendo nos aproximado do relato de como se fez a investigação com os professores em formação inicial, passamos a trazer elementos que tornaram-se significativos na leitura final. As discussões a seguir mostram como a materialidade que foi se tornando o conjunto do estudo deram condições para argumentar nossos posicionamentos. O que apontamos aqui e discutimos, a partir de outro momento político e sob a orientação de autores com outros pontos de vista, poderá ter interpretações diversas daquelas aqui descritas.


Cenas da docência em formação: linguagens e aprendizados


Os movimentos para uma educação que observa a estética se dão pelo ouvir, ler e ver histórias: nossa atenção se envolve, combinada pelas inquietudes que trazemos. Torna-se cativante espiar pelos filmes, pela fotografia, pela literatura, pela poesia escrita e em imagens, a estética que se revela e dá cor e tira da ideia de uma forma (enformada) à docência e à vida. Empurra-nos a pensar a ética, que dá tom às nossas atitudes. Leva-nos a pensar planejamentos mais criativos e sensíveis aos estudantes com quem nos propomos estudar.

Da cor que trazemos aos sentimentos, nos reconhecemos humanos: esta é uma das propriedades do cinema quando faz aflorar, em pouco tempo de projeção, convicções que poderão nos aproximar da alteridade que experimentamos. Foi assim com os estudantes quando, nas rodas de conversa, concluíram que "O sentido nasce do eu com o outro" (Hermann, 2014, p. 50). Os muitos sentidos que trazemos em nosso repertório quando formamo-nos pela ética e pela estética, relembra-nos, continuamente, que somos humanos e podemos ser sensíveis.

Das palavras que escolhemos para dizer como vemos os roteiros apresentados, colocamo-nos em lugares nos quais assumimos posturas: dizem do Imaginário Social (Castoriadis, 1982) que partilhamos em nossas crenças. Olhar, dizer o que pensamos e ouvir o quê e como dissemos, coloca-nos em posição de escuta, daí uma possível formação voltada para a ética, esteticamente vestida pelas palavras que escolhemos e arranjadas em discursos que nos mostram o que aí está.

A educação que discutimos na formação transparece a experiência estética que experimenta. Ao longo desse ano, mas também dos anteriores e do tempo que segue, continuamos analisando filmes, selecionados para cada período de estudo, que trataram de mexer com a nossa formação, pari passu com a estética e a ética (Boufleuer; Johann, 2016). A experiência formativa e a reflexão (Rajobac; Bombassaro; Goergen, 2016) levaram-nos a perceber que podem afastar a tecnicização e o didatismo das práticas educacionais.

A exibição fílmica como recurso didático está para além de um planejamento que tenta conter a atenção de seus expectadores em um trabalho avaliativo ao listar detalhes em cenas que se apresentaram na tela. O didatismo quanto ao cinema (Valença; Moraes 2015) não poderia estar em planejamentos pedagógicos depois de tantas discussões metodológicas que ressaltam a importância dos sentidos que buscamos dar visibilidade nas aulas. O cinema é uma janela para alçar voos de um mundo a outro e não preencher lacunas em espaços vigilantes da atenção dos estudantes.

Nas discussões que fizemos, os roteiros foram convites para portas abertas a visitar imaginários: seus, dos colegas, dos produtores de cada um dos filmes. O repertório que fomos surtindo com temas diversos, providenciaram visitações a sentimentos em memórias guardadas e algumas muito restritas a debates em outras rodas de conversa. Mas aqui, por estarmos em formação para uma escola que deveria acolher a todos, partimos do pressuposto que também estaríamos abertos ao diálogo.

Anotar conceitos que tentem descrever o que seja "humano", como estudar teorias a serem transmitidas não tem mais espaço quando, por meio de uma experiência estética, singular da constituição humana (Boufleuer; Johann, 2016) nos acontece. Pensar a educação está para além dos espaços instituídos para o estudo e isto precisa ser experimentado na formação para chegar até a escola. Os acadêmicos de licenciatura que ampliam seu repertório experimentando e abrindo outros espaços em experiências que os desacomodam, renovam a compreensão sobre o que pode acontecer na educação.

As rodas de conversa, também provocadas pela projeção dos filmes, deixam à vista sentimentos pela vida que há na formação. Entender o que seja aprender sempre foi o que me fez querer muito expandir o que entendemos por "aula". O cruzamento com o cinema como dispositivo de formação (Souto, 1999) pode despontar sentimentos que nos deslocam (Dias, 2011; 2012) de conceitos reducionistas para dar impulso e abrir-se a outras concepções.

Os filmes que trouxemos para as aulas, curtas e longas, tornaram-se inspiração para a análise dos estudos no aprendizado de Libras. O cenário de nossos encontros eram a partir do que poucos sabiam sobre o alfabeto da Língua Brasileira de Sinais, ou sequer tinham visto e o que já tinham observado sobre intérpretes de Libras em eventos (Rosa, 2005), na televisão ou sala de aula, junto a colegas seus, nas aulas da graduação. Onde o alfabeto se juntava aos sinais, estava sendo o que aprendíamos (Gesser, 2009). Nesse contexto, saber a língua que o intérprete de Libras usa (Russo; Pereira, 2008), era o grande desafio.

A experiência que esses estudantes passavam a ter, redefiniam o conceito que traziam sobre linguagem. Agora com o contato mais próximo com o cinema, havia mais linguagens a serem conhecidas e estudas, pois as diversas linguagens que o cinema agrega - a oral, a escrita, a imagética, a sonora, e tantas outras - passavam a vir acrescida da linguagem sinalizada (Quadros; Karnopp, 2007) e também legendada. O que era visto para o outro, depois de um aprendizado de língua, transpassava a própria experiência em ver-se imerso em um mundo oralizado e a viabilidade de um mundo sinalizado acessível ou não.

Outras questões que destacamos podem ser pontuadas pelo Imaginário Social (Castoriadis, 1999) de uma coletividade mostrada em narrativas que deixam evidenciadas a emergência de revermo-nos por acreditar na condição humana que nos agrega - apesar das contradições de nossas atitudes. Os espaços formativos em Educação cumprem esta função e responsabilidade, problematizando as inter-relações que invisibilizamos pelos discursos que ostentamos. Na discussão que segue pontuamos parte do que também foi observado durante os estudos.


O imaginário de uma docência em formação


Este grupo que marcou sua formação pela experiência que viveu coletivamente, conheceu-se por mais uma oportunidade de diálogo: consigo e com os colegas. Viu-se também em uma condição cada vez mais cuidadosa de sua escolha pela docência. Viu-se compondo uma categoria profissional que se formava entre suas memórias de escola e dos professores que tivera, dos professores formadores, na universidade, e como professor que viria a ser ou já estava sendo.

Para estas circunstâncias estava em nossos discursos narrativas que eram tomadas emprestadas das muitas opiniões sobre o quê e como é ser professor e saber a Língua de Sinais. Cada um dos jovens que se experimentou nessa formação trouxe seu imaginário, compondo um magma social que diz do que pensamos e como agimos. O que há de novo na aula? O que é instituinte na aula, na escola? Os povos constroem as sociedades e as instituições. O que se mantém, nos seus espaços instituídos e instituintes (Castoriadis, 1982), forma esta sociedade em movimento, na qual vivemos.

Quanto mais as conversas passavam de uma afirmação para um questionamento, mais adentrávamos nos labirintos, cujas fendas se tornavam incertezas de caminhos a poder serem percorridos (Castoriadis, 2004). Pensar sobre o que falávamos levava a caminhar em círculos e voltar em mais de um encontro a pautar temas parecidos. E sempre procuramos deixar visível que respostas rápidas não eram saídas certeiras; precisavam outros caminhos, apontados por pistas que apareciam e podiam ser indicativos para seguir investigando.

É do imaginário o conjunto de percepções que atravessam o simbólico e pairam nas significações. O magma que se forma e reflete o que pensamos e como agimos, mostra como as significamos e assim as nomeamos quando falamos das realidades. A existência das coisas acontece quando exercitamos o olhar, como um aprendizado socialmente adquirido (Teves, 1992): aprendemos a enxergar. Daí as narrativas que tornam plural as percepções que temos do mundo e das realidades para as quais olhamos.

A busca pela formação nos espaços de uma licenciatura também diz da crença que temos no humano. Nesta sociedade que habitamos, estamos imersos a "quaisquer que sejam as significações imaginárias que a subtendem e o fluido mágico, mítico, religioso que a percorre" (Castoriadis, 1987a, p. 219), ao mesmo tempo em que acreditamos poder mudá-las. Brigamos com as condições que nos colocam entre as crenças que manifestamos tão presentes em nossas narrativas. Pelo menos, estranhá-las poderia afrouxar amarras.

A história que a compõe, nós próprios a inventamos, instituindo sua compreensão e difundindo discursos sobre o jeito de quem a pensou. "A história é criação: criação de formas totais de vida humana" (Castoriadis, 1987b, p. 280). Assim como a inventamos, inventariamos os espaços que cada um pode ocupar. Na escola é assim. Na sociedade é assim. Se ousarmos alguma mudança dessa compreensão na escola, também na sociedade, pisaríamos em outros lugares com outras pessoas com quem, talvez, poderíamos escolher andar. Não seguir cominhos que foram pensados para nós, mas pensarmos para qual caminho tentar seguir, antes de trocar por outra direção e outra e outra... poderia exigir-nos tentativas mais ousadas em mudanças que começariam em nós próprios.

Poder participar porque nos vemos autores de planejamentos de uma aula porque foi pensada a partir de uma experiência em que fomos/somos protagonistas é tomar parte de um grupo corajoso que acredita nas suas potencialidades docentes. Seguir cartilhas, currículos prontos e já pensados, planeando as diferenças como se não existissem, é uma afronta à condição humana inteligente que conquistamos. Assim como nos roteiros que foram apresentados, os finais não eram para ser os esperados comodamente ou a história trouxesse uma alegria para esquecer os barbarismos sociais que estão vigentes.

A criação na que estamos imersos com a forma instituída da sociedade que dia a dia vai sendo-nos apresentada, revirando-nos nela, resistimos com formas que do seu interior saem outras leituras - das mesmas formas; de palavras que dentro delas, leem-se outras ideias. "A auto-instituição da sociedade é a criação de um mundo humano: de 'coisas' e de 'realidade' de linguagem, de normas, valores, modos de viver e de morrer, objetivos pelos quais vivemos e outros pelos quais morremos" (Castoriadis, 1987b, p. 280). Contamos nossas histórias e somos contados por ela.

Entre as conversas que rodavam nossos diálogos e as imagens que refletiam o que dizíamos de nossas percepções, é mister da formação docente oferecer condições para compreender as significações imaginárias das quais somos parte importante. "Compreender, e mesmo simplesmente captar o simbolismo de uma sociedade, é captar as significações que carrega" (Castoriadis, 1982, p. 166). E como delas partilhar se não pela conversa em sala de aula?

A educação pensada na formação pode projetar a tela do quadro, em quadros-frame de um filme composto pelo conjunto de imagens em um roteiro. O filme toma proporções cinematográficas e traz da rua para a sala de estudos pensar o que vemos ou escondemos cotidianamente. Passamos a experimentar o exercício de olhar e falar, ouvir e provocar sentindo-nos em outros lugares, desacomodando-nos por experimentar o olhar de um diretor que se arriscou a dizer, mostrando a quem quisesse ver.


O cinema como arte-formação na docência


O quanto podemos nos fazer presentes, sentindo-nos espectadores ou protagonistas, experimentamo-nos como mais vivos. O quanto a arte nos animar, nos avivar, já configura o quanto reafirmamos nossa presença porque "rompe com o habitual" (Hermann, 2014, p.12): ficção e realidade se fundem neste jogo que a arte brinca. O espaço que o cinema, dentro do campo das artes, abre, vem empurrado pelo imaginário, nascido de nossas ações, sem nem mesmo percebê-las, mas aí estão.

O imaginário vai se mostrando quando as narrativas que trazemos expõem nossos discursos. Assim também aconteceu com os estudantes das licenciaturas que aprendiam Libras. É do imaginário propor mudanças nos cenários para que episódios similares tragam a presença do eu ausente, que vive situações muito parecidas sem dar-se conta do quanto elas se repetem. Os filmes trouxeram silêncios ruidosos e silêncios silenciados. Como interpretá-los? A quem pedir palavras para dizê-los? Puro exercício de si. Dar-se o tempo de compreender ou sair incomodado por não ter se dado o tempo de conhecer-se sem palavras-respostas.

As rodas de conversas, as escritas, pensar um roteiro e filmar um vídeo colocaram em significações o imaginário que já vivemos, e dá chances de se tornar instituinte. Provocados a se jogar na experiência estética de uma autoria - não por ser fácil, mas por poder questionar a confiança em uma criatividade sua, ousou despertar a vontade de compreender sobre o que cada um poderia dizer. Está no olhar a intenção de ver e por isso se sonha, imagina, deseja e não apenas fotografa (Teves, 1992). O exercício para reconhecer o imaginário está na experiência perceptiva (Teves, 1992), daí a imersão nesse mundo de imaginário rico de vivências. Recordamos o que o olho viu para o olhar ver.

Várias parcerias foram feitas durante o semestre porque a rede que estabelecemos em nossos aprendizados precisam ser reconhecidos fora de um horário e local marcados. As cooperações que se associam para compor a formação profissional, em detrimento de uma formação individualista, acreditamos, já vêm a dar um tom de coletividade para se perceber o compromisso que temos na vida das sociedades que integramos: somos a sociedade na qual vivemos e somos como a pensamos. As paredes de um prédio escolar não poderiam delimitar mundos - embora delimitem, dizendo quem a ele pertence e quem nele não entra.

Das tantas aprendizagens marcadas pelos estudos em Castoriadis, esta vem pela citação: "A sociedade é obra do imaginário instituinte. Os indivíduos são feitos, ao mesmo tempo que eles fazem e refazem, pela sociedade cada vez instituída: num sentido, eles são a sociedade" (Castoriadis, 1987b, p. 123). E assim também compreendemos a sociedade que levamos pelo discurso para a docência. De alguma forma emergiu pelas narrativas que os estudantes traziam para os nossos encontros.

As mudanças que queremos também não são assim fáceis como em nossos planos queremos. Se em um roteiro esperamos as cenas de uma história cuja fórmula já foi testada e repetida milhares de vezes, ainda assim, esse roteiro é destinado a um grupo de pessoas. Questionar-se porquê se está acostumado a ver um filme e não outro, não passa pela escolha de todos. Há cinema para diferentes horários, diferentes plataformas, diferentes compreensões. O quanto poderíamos ampliar nosso repertório para sermos curadores de nosso deleite artístico?

As nossas escolhas pautam-se por um leque restrito para o que elegemos. Afinal, estamos imersos no que acreditamos e gostaríamos de mudar. Castoriadis nos diz da história como uma criação que nós mesmos inventamos, instituímos (Castoriadis, 1987b, p. 280). Segue o autor dizendo que fazemos parte desta criação quando nos vemos imersos na "sociedade instituinte" frente à sociedade instituída (Castoriadis, 1987b, p. 280). Que briga é essa onde quanto mais nos reconhecemos mais queremos nos diferenciar? E quanto alcançamos?

O tanto que conseguimos inventar, instituímos as sociedades nas quais habitamos. Mas também habitamos as sociedades que instituímos. "A auto-instituição da sociedade é a criação de um mundo humano: de 'coisas' e de 'realidade' de linguagem, de normas, valores, modos de viver e de morrer, objetivos pelos quais vivemos e outros pelos quais morremos" (Castoriadis, 1987b, p. 280). Somos nós mesmos que escrevemos o roteiro de nossas vidas, entrecruzando com roteiros que outros escreveram, cenários que montam e se desmontam dia a dia.

Aprender uma ou mais linguagens foi o grande desafio desse tempo de aprendizado para a docência. O caminho que foi se constituindo anunciou-se por falas que punham frente a frente ao outro - ao outro surdo, também. Do temido preconceito ao desafio do exercício da alteridade, a estética se interpõe como experiência que poderá provocar deslocamentos (Dias, 2011) na passagem para o aprendizado. Grande parte deste desafio manifestou-se em um processo de experiência estética, posto que a alteridade desloca o olhar centrado em si.

Em nossa experiência, o desafio ao reconhecimento da alteridade aparece-nos conjugado ao diálogo. Dos tantos desafios que aprendemos a ver, mais um desafio veio somado às formas de nos comunicarmos. Temos vocábulos e condições para a comunicação, mas o diálogo que se interpõe entre perguntas e respostas, querem a aproximação ao outro? Seria uma questão de querer ou sentir-se provocado e encorajado a aproximarmo-nos das questões da alteridade - desta vez trazidos pelo cinema? O outro surdo, por vezes convidado de nossas aulas, por vezes na língua que rodava nossos estudos, em práticas de composição linguística estava aí: ao nosso lado. Ao nosso lado? À frente? Escondido? Onde está o surdo na sociedade ouvinte?

Outro argumento que trazemos para dizer do quanto fugimos de um didatismo com o cinema, é que em nenhum momento explicamos o que seria visto ou pedimos que explicassem. Debatemos impulsionados pelas imagens que víamos e nos afetavam. Considerar a diferença entre o que o professor tenha a trazer e o que os estudantes trazem é aceitar o mito pedagógico de que há uma inteligência superior e uma inferior (Rancière, 2007). O filme nos deu a chance de partirmos para uma aventura, que poderia ser intelectual, sensível, ética. E que permite percorrer a compreensão de quem ousa dar palavras suas para o que vê e compreende.

No decorrer dos encontros, os estudantes pareciam abrir-se às experiências estéticas como que sensibilizados com uma nova possibilidade de reconhecimento que nos é dada. Alcançando aproximarmo-nos do outro por uma abertura estética, a ética em educação é caminho para perceber suas possibilidades, reaproximando tentativas de reconhecer a alteridade (Hermann, 2014). A experiência estética é uma das vias para abrir sensivelmente o que pensamos e como nos tornamos, rompendo com a ordem habitual (Hermann, 2014). As possibilidades mais criativas e menos reprodutivas buscam na inspiração a estética de uma educação com fazeres instituintes.

O tempo que se destinou a entrar e defender uma tese em Educação para a formação docente, deu-se em um tempo limitado. Nem por isso, ela não tenha iniciado muito antes e seguido depois de tê-la defendido. Ainda assim, desse tempo restrito de estudos, algumas ponderações foram pungentes e ficam aqui apontadas como merecedoras de um destaque. O contexto que relemos e nele nos debatemos por mais tentativas de compreendê-lo, permite-nos apresentá-las e assim aparecem na próxima disposição.


Afinal, o que aprendemos?


Ao final de um tempo destinado à pesquisa de doutoramento, concluímos que a investigação como processo tornou-se a experiência desta formação. Daí todas as fases pelas quais uma pesquisa leva a fortalecer a formação, a buscar por pistas, mensagens, orientações, leituras, investigações, diálogos, histórias e as transformamos em um estudo argumentativo para a formação para a docência, nossa e dos estudantes de licenciatura que estavam conosco.

Os elementos que fortemente estiveram presentes mostraram-se importantes para fortalecer os processos formativos docentes de estudantes da formação inicial. A estética perpassou o tempo e configurou-se em experiência ética na formação docente. A pesquisa-formação (Josso, 2004), que deu os contornos metodológicos para a investigação, confirmou-se. O processo de estudo para a pesquisa foi elaborado na forma de uma investigação, e envolveu a todos, desafiando-nos a repensar as escolhas que fazemos sob um olhar que não aceita apenas uma possibilidade de interpretação.

Trazer para o vocabulário e para a compreensão o que é a estética na formação docente vem como um contraponto para pensar o contemporâneo em imagens e suas intervenções em nossa vida. Apropriar-se da combinação de sons e imagens em um roteiro e dele ver histórias e muitas interpretações possíveis, ampliam o repertório do que pensamos coletivamente: revemos os princípios que regem nossas vidas em sociedade, constituindo imaginários que se direcionam quanto a ter consensos, sentimentos e gostos comuns (Hermann, 2005). A formação docente expande-se para além dos textos escritos e os conceitos que põem em debate nossos posicionamentos somados, projetados também pelo cinema.

Os processos que interpelaram para a ética aproximaram definições que trouxeram para a sua consideração conceitos plenos da riqueza, que falta enaltecer em nossas relações: a alteridade, a sensibilidade, o outro, a diferença. Não estamos buscando um retorno à ética, mas percebendo a sua falta (Hermann, 2014). Os caminhos que se abrem para uma educação que concebe o outro no seu fazer docente está em posição de provocar aberturas, posto que aparece como um espaço apropriado para as discussões, sejam elas expostas pelas artes ou pelo próprio viver: nela há uma estética.

O cinema, pelas obras trazidas, vistas pelos estudantes e comentadas, mostraram uma aproximação com o outro. Nos momentos de diálogo entre os colegas, nos encontros das aulas, provocados pelo cinema, houve depoimentos, questionamentos ou comentários que foram recolhidos em narrativas, depois de adensar o que se falou nas rodas de conversa. Assistir a um filme passa a ser um motivo de atenção e escolha de repertório.

Os cenários que compõem o cotidiano docente mostrados em diferentes leituras, ampliam o que já vem sendo interpretado, conhecido, discutido. Reler emprestando outros modos de olhar, traz ainda mais possibilidades para o protagonismo dos professores ao cenário que lhe cabe (Brancher; Oliveira, 2017). A experiência de uma formação diferente das rotinas vividas na escola, mostra o quanto de possibilidades a formação docente pode trazer para pensar uma educação cheia de diálogo. A proximidade com a arte, seja pela afinidade com o cinema, seja pela relação com alguma outra manifestação artística, leva a ter mais chances de fugir de alguns reducionismos conteudistas e disciplinares na docência.

Nesta sociedade na qual estamos imersos e cegos pelas suas crenças, mitos e símbolos que instituíram movimentos do que definimos nas realidades que enxergamos, Castoriadis nos deu a conhecer o Imaginário Social. Deu-nos a ver a possibilidade da criação: "Devemos, portanto, admitir que existe nas coletividades humanas uma potência de criação, uma vis formandi, que eu chamo de imaginário social instituinte" (Castoriadis, 2004, p. 129). E que "A crença está onde há ser humano, indivíduo ou coletividade" (Castoriadis, 1999, p. 140). A educação é uma das coletividades da qual participamos e defendemos ardentemente por seus princípios e espaço na sociedade.

Ampliar o repertório que já trazemos em nossas histórias de vida (Abrahão, 2004), mesmo emprestando palavras de outros autores para nossas narrativas, ajudam a dizer e a compor o que pensamos. Nos vemos contados pelas histórias que espelham nossas experiências. A mudança está em nós. Em nossas cabeças e em nossos corpos. Os outros não sabem nossas intenções e interpretam a partir do que manifestamos ou nos eximimos de nos responsabilizar por essa omissão. Falamos muitas línguas!

Este trabalho apresentou a uma investigação que veio reafirmar o diálogo na formação de professores e na formação pessoal. Ela fala da vida de estudantes, de professores em formação inicial e da nossa docência. Este processo, mais que em outros que já havíamos percorrido, trouxe ao debate da formação inicial a compreensão sobre o outro na educação. Em épocas de metodologias ativas ou colaborativas, este estudo justifica, mais uma vez, a premência em reforçar a instituição ética-estética nos fazeres docentes.


Referências


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